quarta-feira, 3 de junho de 2009

A história das coisas - vídeo imprescindível!

História das Coisas - Versão brasileira

Governo banca ou combate a destruição da Amazônia?

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Greenpeace expõe contradições do governo, conta Safatle

"Parece haver uma sincronicidade às avessas na política ambiental brasileira", diz a jornalista Amália Safatle ao falar das diferenças entre os resultados apresentados pelo governo na área e um estudo divulgado pelo Greenpeace. "O contraditório abriu o mês comemorativo do meio ambiente", diz.
Governo banca ou combate a destruição da Amazônia?

Antonio Cruz/Agência Brasil
A contradição do governo sobre o desmatamento da Amazônia
A contradição do governo sobre o desmatamento da Amazônia

por Amália Safatle
De São Paulo

Parece haver uma sincronicidade às avessas na política ambiental brasileira. No mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil "cada vez mais está dando lições ao mundo" em matéria de conservação, o Greenpeace divulgou ao público relatório pelo qual acusa o governo federal de financiar e lucrar com o desmatamento da Amazônia. O contraditório abriu o mês comemorativo do meio ambiente.

No programa semanal Café com o Presidente, Lula destacou ações de combate às queimadas e ao desmatamento, e citou "feitos" dos últimos seis anos, como a criação de 25 milhões de hectares de áreas de conservação na Amazônia e a homologação de 10 milhões de hectares de terras indígenas A Farra do Boi na Amazônia, mostrou que o governo financiou, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, frigoríficos na região. Entre os anos 2007 a 2008, teria concedido R$ 2,65 bilhões às empresas em troca de ações.

Três frigoríficos - Bertin, JBS e Marfrig - seriam responsáveis por metade das exportações brasileiras de carne. Não há como afirmar categoricamente que todo o desmatamento para expansão da criação de gado tenha sido ilegal (além dos 20% permitidos pelo Código Florestal), mas ao sobrepor o mapa das fazendas com imagens obtidas recentemente por satélite, mais de 100 propriedades receberam multas em 2006.

O relatório aponta também a responsabilidade de empresas que integram a cadeia produtiva da carne, e involuntariamente incentivam o desmatamento - como as companhias de distribuição Carrefour e Wal-Mart -, e empresas que usam o couro como matéria-prima - Adidas, Nike, Honda, BMW e Timberland. Para evitar o problema, as empresas deveriam buscar a certificação da cadeia produtiva, garantindo ao consumidor a procedência legal dos produtos.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, ainda não havia lido o relatório, mas negou as acusações, afirmando que o banco só apóia projetos comprometidos com o desenvolvimento.

Se verdadeiras, as acusações expõem a incoerência da política de desenvolvimento socioambiental, pois mostra uma direção contrária à meta estabelecida no Plano Nacional sobre Mudança de Clima de reduzir em 80% do índice de desmatamento na Amazônia até 2020 - o equivalente a 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono a menos na atmosfera. "Reduzimos em mais de 45% o desmatamento, coibindo a impunidade ambiental e tirando o crédito dos desmatadores", afirmou Lula.

Segundo o Greenpeace, o setor pecuário na Amazônia é responsável por quase 14% do desmatamento anual global (1,7 milhão de hectares são desmatados na Amazônia todos os anos e 12,5 milhões de hectares por ano são desmatados globalmente).

O desmatamento na Amazônia alça o Brasil à condição de 4º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.

O sumário executivo do relatório A Farra do Boi na Amazônia está disponível em: www.greenpeace.org.br/gado/farradoboinaamazonia.pdf. Confira no site da ONG o que você, como cidadão e consumidor, pode fazer: www.greenpeace.org/brasil/amazonia/gado/o-que-voc-pode-fazer

*Amália Safatle é jornalista e fundadora da Página 22, revista mensal sobre sustentabilidade, que tem como proposta interligar os fatos econômicos às questões sociais e ambientais.

Fonte: Terra Magazine

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A expansão da economia é incompatível com a capacidade de regeneração do planeta, entrevista com Paulo Durval Branco

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área desmatada para plantio de soja

Na visão de Paulo Durval Branco, o PIB, como uma medida de riqueza, está na contramão da busca por desenvolvimento sustentável

Com uma clara visão sobre os desafios que teremos pela frente em relação à sustentabilidade do planeta e o atual sistema econômico, o professor e consultor Paulo Branco vê que a principal limitação do cenário atual “é o fato de estarmos regidos pela lógica dominante da possibilidade de crescimento infinito”. Na entrevista que segue, concedida por telefone para a IHU On-Line, ele identifica que “toda a nossa economia, todo nosso modelo mental e, consequentemente, todas as nossas criações no plano social e econômico se baseiam em uma possibilidade que não existe, que é o crescimento reger todo o nosso caminhar. Temos um limite na medida em que a economia hoje é centrada na ideia de crescimento”.

Paulo percebe, na proposição da economia ecológica ou da ecoeconomia, “um caminho central para se discutir um modelo pós-crise”. E por quê? “Porque ela parte de premissas corretas”, responde ele. Para o professor, o que deveria definir os limites de atuação do subsistema econômico é a capacidade de suporte da biosfera no que se refere a prover recursos e absorver os dejetos. “É algo muito óbvio e claro. Difícil é imaginar porque essa visão não se incorporou efetivamente ao nosso modo tradicional de ‘gerir a casa’”. E conclui: “A premissa de crescimento precisa ser rompida. Ela não responde a uma civilização que habita um planeta que é um só e que possui uma capacidade de suporte”.

Sócio-diretor da Ekobé Consultoria em Sustentabilidade, Paulo Durval Branco é professor da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), de São Paulo. Possui graduação e mestrado em Administração pela PUC-Rio.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Neste momento de crise global da economia capitalista, quais são as possibilidades e os limites de pensar uma economia que leve em conta a sustentabilidade da terra?

Paulo Durval Branco – Essa pergunta abre o debate de uma maneira interessante, porque já põe em foco aquela que, no meu ponto de vista, é a principal limitação. Na medida em que essa limitação seja superada, começamos a identificar eventuais possibilidades. Vejo que a principal limitação é o fato de estarmos regidos pela lógica dominante da possibilidade de crescimento infinito. Toda a nossa economia, todo nosso modelo mental e, consequentemente, todas as nossas criações no plano social e econômico se baseiam em uma possibilidade que não existe, que é a de o crescimento reger todo o nosso caminhar. Temos um limite na medida em que a economia hoje é centrada na ideia de crescimento. E essa ideia é contrária à noção de que existe uma capacidade de suporte do planeta. Portanto, temos nisso o grande limite, de pensar esta economia levando em conta a sustentabilidade da Terra. Para que isso possa ocorrer, o que seria correto, defensável, desejado, é que as metas, os desafios do desenvolvimento - e não do crescimento – fossem estabelecidas a partir da definição clara da capacidade de suporte de um dado ecossistema, ou seja, pensando no que esse ecossistema pode nos oferecer em termos de recursos naturais na falta de energia, e qual a sua capacidade de absorver os dejetos, resíduos, rejeitos, de um processo econômico. Esses limites definiriam as nossas metas e objetivos de produção, comercialização e consumo.

IHU On-Line - Que relação o senhor estabelece entre a velocidade da expansão da economia e a capacidade de regeneração dos recursos naturais? São compatíveis?

Paulo Durval Branco – Da maneira como hoje nosso modelo de produção e consumo está estabelecido e operando, essa velocidade é totalmente incompatível. Temos, hoje, indicadores muito claros, como é caso da pegada ecológica, apontando isso. Ela mostra que já ultrapassamos em cerca de 40% a capacidade deste planeta em nos prover recursos e absorver nossos resíduos em termos de processo de produção e consumo. Nitidamente, hoje, a velocidade de expansão da economia – e aqui estamos falando de uma economia centrada no crescimento, que considera recursos naturais como infinitos – é incompatível com a capacidade de regeneração. Para alguns ecossistemas, já falamos em adaptação e não mais na possibilidade de recuperação dos mesmos.

IHU On-Line - Quais os maiores problemas que envolvem a questão de que a economia clássica sempre ignorou que a Terra é finita?

Paulo Durval Branco – Aqui existe uma questão mais profunda, que é anterior às discussões sobre economia ou qualquer outra ciência criada nos tempos modernos. Essa questão nos remete a uma discussão que tem raízes na Filosofia, que nos remonta a Descartes, a Francis Bacon, na medida em que esses pensadores definiram nosso atual modelo mental, nossa forma de ver o mundo, que é uma forma fragmentada, reducionista. E essa fragmentação também nos leva, enquanto seres humanos, a nos percebermos como seres fragmentados. Não nos percebemos como um ser integral, no sentido de ter as várias dimensões interconectadas: dimensão mental, física, espiritual e emocional. Expressamos essa mesma fragmentação no distanciamento em relação a tudo o que está a nossa volta: aos outros e ao planeta. Na medida em que nos vemos fragmentados, não como parte da teia da vida, nos sentimos à vontade – e essa é uma consequência indesejada – de usar, explorar, utilizar, considerando que esses recursos são infinitos e estão aí a nosso dispor, como se não fizessem parte da mesma teia da vida a qual nós pertencemos. O fato de a economia ignorar a Terra, ou tê-la como recurso infinito, vem dessa fragmentação que sempre caracterizou nosso ser no mundo e a nossa relação com o mundo a nossa volta. O fato de a economia estar separada da ecologia é mais uma das expressões dessa fragmentação.

IHU On-Line - Quais as principais implicações para a economia da urgência dos problemas ambientais?

Paulo Durval Branco – Nós já estamos lidando com algumas implicações reais, concretas, nesse sentido. Por exemplo, as seguradoras estão muito preocupadas por conta dos sinistros causados por desequilíbrios ambientais; a própria questão das mudanças climáticas, o efeito estufa, afetando a agricultura, o ciclo de crescimento de plantas, portanto, alterado a safra. Temos outras implicações não tão visíveis, mas já muito sentidas em alguns setores, onde, por exemplo, as matérias-primas vão ficando cada vez mais escassas, portanto, mais caras. Isso torna a temática ambiental cada vez mais presente na agenda econômica. Infelizmente, para a maior parte dos agentes econômicos, essa entrada na agenda se dá pelos riscos, pelos problemas, pelas dificuldades, e não pelo lado mais prazeroso e inspirador, que é o lado da inovação, de olhar a sustentabilidade a partir da perspectiva de inovação das possibilidades e não de restrições e deveres. Isso seria algo muito mais interessante, que poucos atores, poucas organizações, estão tendo a capacidade de perceber dessa forma.

IHU On-Line - O que podemos entender pelo conceito de ecoeconomia ou de economia ecológica? Ele pode ser pensando como alternativa para o momento em que vivemos?

Paulo Durval Branco – Acredito que sim. Na verdade, hoje, vejo nessa proposição da economia ecológica ou da ecoeconomia um caminho central para se discutir um modelo pós-crise – e aí não estamos falando exclusivamente dessa atual crise, que começou com as questões do crédito imobiliário nos Estados Unidos; na verdade, estamos falando de uma crise muito mais ampla. Essa é apenas uma das expressões de uma crise do padrão civilizatório, que se expressa de várias maneiras. E por que a economia ecológica seria um caminho? Porque ela parte de premissas corretas. Uma delas é a impossibilidade do crescimento como um retorno exclusivo do processo econômico. Então, a ecoeconomia supõe o sistema econômico como parte de um sistema maior, que é a biosfera. A economia seria um subsistema, regido pelas leis de um sistema mais amplo, que seria a biosfera. Faz sentido pensarmos o que falei no início desta entrevista: o que deveria definir os limites de atuação do subsistema econômico? A capacidade de suporte desta biosfera no que se refere a prover recursos e absorver os dejetos. É algo muito óbvio e claro. Difícil é imaginar por que essa visão não se incorporou efetivamente ao nosso modo tradicional de “gerir a casa”.

IHU On-Line – No entanto, é ainda complicado imaginar essa proposta se efetivando na prática, porque, por mais que identificamos a sua urgência e a sua necessidade, a grande maioria, inclusive dos governos, ainda tem dificuldade para perceber isso…

Paulo Durval Branco – Sem dúvida. No entanto, algumas coisas apontam para a possibilidade. Um exemplo que eu quero trazer aqui é um estudo recente, que foi publicado por uma comissão do governo britânico, chamada Sustainable Development Commission, que assessora o governo britânico, o Gordon Brown, em questões ligadas ao desenvolvimento sustentável. Esse estudo é muito interessante, pois discute exatamente os limites do crescimento e as possibilidades de prosperidade sem crescimento. Esse é o caminho, mas é difícil. Para que ele se torne o senso comum, é preciso muitas coisas acontecerem. Mas, ao que parece, os indutores para essa mudança estão aí colocados. A sociedade contemporânea precisará ser hábil para fazer as mudanças necessárias. Implicações mais profundas da mudança da qual falamos têm a ver também com o comportamento individual. Isso exige certamente uma sociedade mais centrada no ser do que no ter.

IHU On-Line - Quais as contradições entre a sustentabilidade do planeta e o PIB? Quais as principais criticas feitas a ele nesse sentido?

Paulo Durval Branco – Hoje, o PIB, para muitas organizações e um número crescente de estudiosos, vem sendo bastante criticado do ponto de vista das suas limitações para o atual momento da nossa atual sociedade. A primeira delas está ligada ao fato de que o PIB não leva em conta as externalidades do processo produtivo. O PIB, como uma medida de riqueza, está na contramão de todas as nossas discussões e de nossa busca por desenvolvimento sustentável. Se pensarmos hoje na construção de uma hidrelétrica, as contas nacionais aumentarão em função das obras, dos gastos com materiais, da locação de mão-de-obra etc. No entanto, não irá ocorrer nenhuma subtração nas contas nacionais, no PIB, por conta de degradação ambiental causada, de eventual degradação das condições sociais da população próxima à construção dessa hidrelétrica, com fenômenos como exploração sexual de crianças e adolescentes, ou eventual trabalho infantil em cadeia produtiva. São coisas que sabemos que ocorrem, mas não são computadas. A ausência de externalidades nas contas é uma deficiência enorme. Podemos ter um país com um PIB elevado; entretanto, essa riqueza está sendo gerada a custo de enormes externalidades socioambientais.

Outra limitação é o fato do PIB não levar em conta capitais sociais relacionados, por exemplo, ao trabalho voluntário. Hoje, nós temos uma riqueza enorme do ponto de vista do capital social sendo gerado em vários países do mundo e isso não está refletido nesta riqueza. Por conta dessas limitações, outras alternativas estão sendo buscadas, como as discussões mais recentes da Felicidade Interna Bruta (FIB), na experiência do Butão. Essa recente Comissão Stiglitz, que foi iniciada por uma liderança do presidente da França, Nicolas Sarkozy, tem Joseph Stiglitz como líder desse grupo e que está desenvolvendo toda uma análise que não só realiza as críticas necessárias ao PIB como se propõe a apresentar alternativas no que se refere a novas medidas de riqueza.

O aprimoramento do PIB e a sua superação é uma discussão fundamental, porque, em função desta medida de riqueza ter se estabelecido como uma medida dominante, nós vivemos sob a ditadura do PIB. Governos nacionais estabelecem metas de crescimento, medidas pelo PIB, que possui todas essas deficiências que falamos; no plano da microeconomia, as empresas também perseguem medidas de progresso que estão pautadas na mesma lógica que orienta o PIB. Então, temos uma cadeia de um mau indicador sendo alimentada. Chegamos a uma cadeia de indicadores deficientes, que não medem adequadamente riqueza. E, por trás disso, temos um problema central: indicadores induzem comportamentos. Se não tivermos um bom indicador, certamente estaremos induzindo a um mau comportamento.

IHU On-Line - O senhor acredita que a economia, como é constituida hoje, teria condições de caminhar para ser cada vez mais parecida com os processos naturais?

Paulo Durval Branco – Vejo isso como uma impossibilidade, relacionada às premissas que falávamos inicialmente. A premissa de crescimento precisa ser rompida. Ela não responde a uma civilização que habita um planeta que é um só e que possui uma capacidade de suporte. Essa é uma impossibilidade.

IHU On-Line - O que faria parte de um novo modelo que desse respostas a questões como geração de empregos, desenvolvimento com qualidade e até mesmo uma desmaterialização do sistema?

Paulo Durval Branco – Vejo a proposta de Herman Daly, de economia do estado estacionário como uma alternativa e ela vai fazendo cada vez mais sentido. É um caminho, um modelo que responde a esses desafios. A questão da geração de empregos traz para o debate um outro tema, que é o tamanho da população. Nesse sentido, será muito pouco provável alcançar pleno emprego. Seja qual for o modelo que se estabeleça, o pleno emprego parece ser uma impossibilidade. No entanto, teremos empregos de melhor qualidade, ao que tudo indica. Teremos necessariamente, como você menciona na pergunta, a necessidade de desmaterializar a produção. Estamos falando não só de desmaterialização relativa, mas também a desmaterialização absoluta: realmente fazer menos com menos. Não basta mais fazer mais com menos. Isso implica em trocar quantidade por qualidade, em rever o estilo de vida, em propor menos horas de trabalho para que outros tenham mais possibilidade de emprego. Também implica em distribuição de renda, portanto, em uma macroeconomia mais favorável ao desenvolvimento sustentável. Esse seria o primeiro aspecto a ser pensado num novo modelo.

Existem mais duas dimensões-chave nessa questão. A segunda estaria ligada a criarmos nesse novo modelo oportunidades para uma vida que tenha significado efetivamente. Estamos falando, aqui, de pessoas vivendo em comunidades com um alto capital social, ou seja, comunidades, associações, onde a democracia efetivamente é exercida, as pessoas se reconheçam representadas e tenham possibilidade e estímulo à interação. A criação de oportunidades reais, para uma vida com significado, é uma outra dimensão necessária neste novo modelo. E um terceiro aspecto diz respeito a reconhecermos e respeitarmos os limites ecológicos. Não consigo pensar em um novo modelo que não esteja submetido, de fato, aos limites da capacidade de suporte do planeta. A partir disso é que devem ser montados os processo de produção, ou seja, a economia passa então a ser regida pelo ecossistema, pela biosfera.

IHU On-Line - Como seria uma proposta ideal de consumo ético, na sua opinião?

Paulo Durval Branco – Quando falamos de consumo ético, falamos de consumo consciente, que seja a expressão de cidadania, de valores pessoais, um consumo que leve em conta a cadeia produtiva e os impactos socioambientais da produção. Hoje, já temos exemplos interessantes nesse sentido, como o movimento do fair trade, que se baseia não só na qualidade socioambiental do produto ou serviço, mas também supõe a melhor distribuição de renda na cadeia produtiva. Ele busca romper a lógica de que atravessadores ficam com a maior parte da riqueza gerada nas transações comerciais, em detrimento do produtor. Essa seria uma proposta ideal de consumo ético.

Fonte: Ecodebate - publicado pelo IHU On-line - [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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Michael Moore pede mudança radical em indústria automotiva dos EUA

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Autoestrada na Califórnia. Foto do NYTimes
Autoestrada na Califórnia. Foto do NYTimes

“Deveria utilizar esse dinheiro para manter a atual força de trabalho e para que os que foram demitidos sejam empregados, para que possam construir os novos sistemas de transporte do século XXI”…

O polêmico diretor americano Michael Moore propôs hoje declarar em estado de guerra a indústria automotiva dos Estados Unidos para transformá-la completamente.

Em carta postada em seu site, o produtor de documentários como “Fahrenheit 11 de setembro” e “Tiros em Columbine” afirmou que “a única forma de salvar a GM (General Motors) é matar a GM”. Matéria da Agência EFE.

Na maior quebra na história dos Estados Unidos e para se proteger dos devedores, a empresa recorreu ao Capítulo 11 de falências em um tribunal de Nova York.

Em um plano de nove pontos, Moore pede ao presidente Barack Obama para informar ao país que se está “em guerra” e que “as unidades de produção de automóveis (devem se transformar) em instalações para a fabricação de veículos de transporte em massa e equipamentos de energia alternativa”.

Moore lembrou que, em 1942, os EUA suspenderam a fabricação de automóveis e utilizaram as linhas de montagem para construir os aviões, tanques e metralhadoras usados na Segunda Guerra Mundial.

“Essa conversão não demorou nada. Todos ajudaram. Os fascistas foram derrotados”, indicou.

“Agora estamos em uma guerra diferente, uma guerra que dirigimos contra o ecossistema e que foi liderada por nossos próprios líderes empresariais”, ressaltou.

Moore acrescentou que os produtos que saem de GM, Ford e Chrysler, as três grandes fabricantes de automóveis americanas, são agora as maiores armas de destruição em massa responsáveis pelo aquecimento global e pelo derretimento das calotas polares.

Segundo o diretor, a Casa Branca não deveria entregar US$ 30 bilhões à GM para que a empresa siga fabricando automóveis.

“Deveria utilizar esse dinheiro para manter a atual força de trabalho e para que os que foram demitidos sejam empregados, para que possam construir os novos sistemas de transporte do século XXI”, indicou.

Moore também propôs transformar algumas plantas da GM para a construção de moinhos de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa.

* Matéria da Agência EFE, no UOL Notícias.

Fonte: EcoDebate

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terça-feira, 2 de junho de 2009

Entrevista de Eric Hobsbawm - ‘Crise ambiental é desafio central que enfrentamos no século XXI'

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por Verena Glass

“Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta”. A afirmação é do historiador Eric Hobsbawm em entrevista exclusiva à jornalista Verena Glass e publicada na Revista Sem Terra, maio/junho 2009.


Eis a entrevista.

O planeta vive hoje uma crise que abalou as estruturas do capitalismo mundial, atinge indiscriminadamente atores em nada responsáveis pela sua eclosão, e que talvez seja um dos mais importantes “feitos” da moderna globalização. Na sua avaliação, quais foram os fatores e mecanismos que levaram a esta situação?

Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizada pela extraordinária revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações, esteve combinada com a hegemonia de políticas de Estado neoliberais, favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de lucros. No setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta, o que explica porque a crise do desenvolvimento capitalista ocorreu ali. Apesar do fato de que o capitalismo sempre — e por natureza — opera por meio de uma sucessão de expansões geradoras de crises, isto criou uma crise maior e potencialmente ameaçadora para o sistema, comparável à Grande Depressão que se seguiu a 1929, mesmo que seja cedo para avaliarmos todo o seu impacto. Um problema maior tem sido que a tendência de declínio das margens de lucro, típico do capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis, atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários “subprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos quarenta vezes maior do que a sua base econômica atual foi assim criada, e o destino disso era mesmo o colapso.

Como resposta à crise econômica, governos e instituições financeiras estão concentrados em salvar os sistemas bancário e financeiro, opção que tem sido considerada uma tentativa de cura do próprio vetor causador do mal. No que deve resultar este movimento?

Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o sistema bancário deixa de funcionar. Nesse sentido, as medidas nacionais para restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do Estado por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios para os bancos com uma regulação futura mais restrita. De toda forma, a depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração do crédito. São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a população, de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia global.

Antes de se agudizar o caos econômico, o mundo começou a sofrer uma sucessão de abalos sociais e ambientais, como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a crise energética, as crises humanitárias decorrentes das guerras, entre outros. Como você avalia estes fatores na perspectiva do paradigma civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno?

Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.

O capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma força hegemônica na agricultura com o crescimento do agronegócio. Muitos defendem que a Reforma Agrária não cabe mais na agenda mundial. Como vê este debate e a luta pela terra de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina?

A produção agrícola necessária para alimentar os seis bilhões de seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da população mundial, se compararmos com o que era no passado. Isso levou tanto a um declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da agricultura por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção. Da mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias, mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e pela exploração dos recursos naturais. A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menos Insustentável: crescimento econômico e da população colocam em risco o futuro da amizade na América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica. Em tempos de vacas gordas é muito mais fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de depressão, a terra, a propriedade familiar e a comunidade garantem a segurança social e a solidariedade que o capitalismo neoliberal de mercado tão claramente nega aos migrantes rurais desempregados.

Na virada do século, um novo movimento global de resistência social tomou corpo através do que ficou conhecido como altermundialismo. Surgiu o Fórum Social Mundial, e grandes manifestações contra a guerra e instituições multilaterais, como a OMC, o G8 e a ALCA, na América Latina, ganharam as ruas. Na sua avaliação, o que resultou destes movimentos? E hoje, como vê estas iniciativas?

O movimento global de resistência altermundialista merece o crédito de duas grandes conquistas: na política, ressuscitou a rejeição sistemática e a crítica ao capitalismo que os velhos partidos de esquerda deixaram atrofiar. Também foi pioneiro na criação de um modo de ação política global sem precedentes, que superou fronteiras nacionais nas manifestações de Seattle e nas que se seguiram. Grosso modo, logrou formular e mobilizar uma poderosa opinião pública que seriamente pôs em cheque a ordem mundial neoliberal, mesmo antes da implosão econômica. Seu programa propositivo, porém, tem sido menos efetivo, em função, talvez, do grande número de componentes ideologicamente e emocionalmente diversos dos movimentos, unificados apenas em aspirações muito generalistas ou ações pontuais em ocasiões específicas.

Principalmente na América Latina, os anos 2000 trouxeram uma série de mudanças políticas para a região com a eleição de governadores mais progressistas. A sociedade civil organizada ganhou espaço nos debates políticos, mas os avanços na garantia dos direitos sociais ainda esperam por uma maior concretização. Como analisa este fenômeno?

O fator mais positivo para a América Latina é a diminuição efetiva da influência política e ideológica — e, na América do Sul, também econômica — dos EUA. Um segundo fator muito importante é o surgimento de governos progressistas — novamente mais fortes na América do Sul — , inspirados pela grande tradição da igualdade, fraternidade e liberdade, que comprovadamente está mais viva aí do que em outras regiões do mundo neste momento. Estes novos regimes têm se beneficiado de um período de altos preços de seus bens de exportação. Quão profundamente serão afetados pela crise econômica, principalmente o Brasil e a Venezuela, ainda não está claro. Suas políticas têm logrado algumas melhorias sociais genuínas, mas até agora não reduziram significativamente as enormes desigualdades econômicas e sociais de seus países. Esta redução deve permanecer a maior prioridade de governos e movimentos progressistas.

Diante da crise civilizatória, do fracasso do capitalismo e da inoperância dos sistemas multilaterais, que não foram aptos a enfrentar as grandes questões mundiais, as esquerdas têm se debatido na busca de alternativas; mas nem consensos nem respostas parecem despontar no horizonte. Haveria, em sua opinião, a possibilidade real da construção de um novo socialismo, uma nova forma de lidar com o planeta e sua gente, capaz de enfrentar a hegemonia bélica, econômica e política do neoliberalismo?

Eu não acredito que exista uma oposição binária simples entre “um novo socialismo” e a “hegemonia do capitalismo”. Não existe apenas uma forma de capitalismo. A tentativa de aplicar um modelo único, o “fundamentalismo de mercado” global anglo-americano, é uma aberração histórica, que potencialmente colapsou agora e não pode ser reconstruída. Por outro lado, o mesmo ocorre com a tentativa de identificar o socialismo unicamente com a economia centralizada planejada pelo Estado dos períodos soviético e maoísta. Esta também já era (exceto talvez se nosso século for reviver os períodos temporários de guerra total do século 20). Depois da atual crise, o capitalismo não vai desaparecer. Vai se ajustar a uma nova era de economias que combinarão atividades econômicas públicas e privadas. Mas o novo tipo de sistemas mistos tem que ir além das várias formas de “capitalismo de bem estar” que dominou as economias desenvolvidas nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

Deve ser uma economia que priorize a justiça social, uma vida digna para todos e a realização do que Amaratya Sen chama de potencialidades inerentes aos seres humanos. Deve estar organizada para realizar o que está além das habilidades do mercado dos caçadores-de-lucro, principalmente para confrontar o grande desafio da humanidade neste século 21: a crise ambiental global. Se este novo sistema se comprometer com os dois objetivos, poderá ser aceitável para os socialistas, independente do nome que lhe dermos. O maior obstáculo no caminho não é a falta de clareza e concordância entre as esquerdas, mas o fato de que a crise econômica global coincide com uma situação internacional muito perigosa, instável e incerta, que provavelmente não estabelecerá uma nova estabilidade por algum tempo. Entrementes, não há consenso ou ações comuns entre os Estados, cujas políticas são dominadas por interesses nacionais possivelmente incompatíveis com os interesses globais.

Conceitos como solidariedade, cooperação, tolerância, justiça social, sustentabilidade ambiental, responsabilidade do consumidor, desenvolvimento sustentável, entre outros, têm encontrado eco, mesmo de forma ainda frágil, na opinião pública. Acredita que estes princípios poderão, no futuro, ganhar força e influenciar a ordem mundial? Vê algum caminho que possa aproximar a humanidade a uma coabitação harmoniosa?

Os conceitos listados estão mais para slogans do que para programas. Eles ou ainda precisam ser transformados em ações e agendas (como a redução de gases de efeito estufa, encorajada ou imposta pelos governos, por exemplo), ou são subprodutos de situações sociais mais complexas (como “tolerância”, que existe efetivamente apenas em sociedades que a aceitam ou que estão impedidas de manter a intolerância). Eu preferiria pensar na “cooperação” não apenas como um ideal generalista, mas como uma forma de conduzir as questões humanas, como as atividades econômicas e de bem estar social. Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 – mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos. Não acredito que a humanidade alcançará um estado de “coabitação harmoniosa” num futuro próximo. Mas mesmo se nossos ideais atualmente são apenas utopias, é essencial que homens e mulheres lutem por elas.

O senhor, que estudou com profundidade a história do mundo e as relações humanas nos últimos séculos, o que espera do futuro?

Se a crise ambiental global não for controlada, e o crescimento populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias. Mesmo se os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão enormes problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras. Também mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e industrializadas. Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes gigantes asiáticos. A atual crise econômica global vai terminar, mas tenho dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas décadas. Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria. Se tornou mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e Índia. Um novo equilíbrio internacional entre as potências — os EUA, China, a União Européia, Índia e Brasil — presumivelmente ocorrerá, o que poderá garantir um período de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para já. O que não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que emergirão depois da crise. Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de previsão do historiador.

Fonte: Instituto Humanitas

Para ler mais:

Ecoeconomia. Uma resposta à crise ambiental? Revista IHU On-Line, no. 295, 01-06-2009.

'Boicotemos as empresas que destroem o ambiente'', apela Vandana Shiva

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por Francesca Caferri

Nesta entrevista, a física ativista ambiental indiana Vandana Shiva comenta a importância da defesa da Amazônia e da biodiversidade que a área concentra. E afirma que, nesse sentido, os índios têm muito a nos ensinar.

A reportagem é de Francesca Caferri, publicada no jornal La Repubblica, 01-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista:

Senhora Shiva, por que essa é uma questão global?

A Amazônia não é só uma floresta. Não é só do Brasil. É, antes de tudo, o maior depósito de biodiversidade do mundo, a contribuição mais importante para a estabilidade climática e hidrogeológica que restou na terra. Por isso, é uma questão mundial. E posso dizer, por ter visto com os meus próprios olhos, que a destruição que está ocorrendo ali e a luta ímpar dos índios contra as empresas que querem madeira e matérias-primas e a quem não importa nada deles é uma questão global, e como tal deve ser tratada. Pelos governos em primeiro lugar.

O que deveriam fazer?

Deveriam, sobretudo, se esquecer da palavra lucro quando se fala sobre essa área do mundo. Os únicos investimentos na Amazônia deveriam ser dirigidos para se garantir a sua sobrevivência e proteção. Só isso deveria ser considerado um ganho, em termos de estabilidade. O que eu espero concretamente é a formação de uma aliança global entre os países em nome da conservação da Amazônia.

O G8 que ocorrerá em algumas semanas na Itália tem a proteção do meio ambiente e as mudanças climáticas entre os pontos principais da sua agenda. A senhora acredita que o discurso sobre a Amazônia pode ser enfrentado ali?

Francamente, não espero muito do G8. Espero muito mais do G20, a cúpula ampliada à qual tomam parte os países chamados emergentes e, nesse caso, o Brasil. É essa a sede para se estimular uma mudança. O que aconteceu desde setembro do ano passado até hoje – a crise dos mercados, o estouro da bolha dos empréstimos, a crise financeira global – deveria nos ensinar alguma coisa. Que o modelo de desenvolvimento cego, que destrói tudo ao seu redor, que aponta só ao lucro, não funciona. Não funciona mais. Porém, esse é o modelo de desenvolvimento que está destruindo a Amazônia. Para olhar para o futuro, devemos pensar em um modelo diferente, iluminado, eu o definiria. Onde a ideia de futuro e a de desenvolvimento convivam.

Nesse modelo, que papel tem os consumidores finais? Como a senhora sabe, o Greenpeace os chama em causa diretamente, colocando no patíbulo marcas que estão entre as mais conhecidas do mundo...

Os consumidores podem muito. A primeira coisa a fazer é estabelecer uma moratória internacional sobre qualquer bem que esteja ligado de qualquer modo à destruição da Amazônia. Isso cabe aos governos, mas depois os consumidores também devem ir a campo. Pensemos no que ocorreu com a gripe suína no México: tomados pelo pânico, os consumidores impuseram aos supermercados de todo o mundo que não vendessem mais carne que chegava do México. As exportações entraram em queda em poucos dias. Ou pensemos no movimento que se desenvolveu em muitos países da Europa contra os transgênicos: os protestos impuseram às cadeias de distribuição que fossem "OGM free", pelo menos em parte. Ora, o mesmo pode ser feito para a Amazônia: os consumidores podem fazer pressões sobre os negócios para que não vendam produtos que não seja "Amazon free", que venda só aqueles que respeitam a Amazônia, que não se derivam das suas matérias-primas. E depois deveriam pedir que consumissem só carne local: desse modo, as importações do Brasil entrariam em queda.

Tudo isso criaria um dano grave à economia do país: e não podemos esquecer que falamos de um Estado em que boa parte da população ainda vive na pobreza...

A maior parte dos cultivos e das criações na Amazônia são ilegais. Quem ganha com essa economia são os que comercializam de modo ilegal, não o país.

Falemos das populações indígenas: como a senhora sabe, muitos defendem que a proximidade com a "civilização" é um bem para eles. Qual é a sua opinião?

Eu não estou de acordo. Se olharmos para o futuro e para aquilo que nos ajuda a ir para frente, entenderemos que o elemento fundamental é uma relação balanceada com a terra. Um sistema de conhecimento e de vida que não seja baseado na exploração, mas na harmonia. Nessa matéria, os índios têm muitoLink a nos ensinar. Certamente não são primitivos. Primitivos me parecem ser antes aqueles que querem caçá-los.

Fonte: Instituto Humanitas

Para ler mais:

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Entrevista com o cientista James Lovelock

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“Tomara sejamos civilizados quando chegar o desastre climático”**

Por Stephen Leahy*

Toronto, 1º de junho (Terramérica) - “Espero que, quando desatar o primeiro grande desastre climático, nos unamos como se estivessem invadindo nosso país”, afirma o cientista britânico James Lovelock nesta entrevista exclusiva ao Terramérica. Na medida em esquenta o clima e aumenta a concentração de carbono na atmosfera, o futuro fica muito mais nefasto do que as piores projeções do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), diz Lovelock. Químico, médico e biofísico, este homem é o pai da Teoria Gaia, que descreve o planeta como um organismo vivo, um complexo sistema onde todos os componentes da biosfera e da atmosfera interagem para regular e sustentar a vida.

Frequentemente controverso, Lovelock tem amplas credenciais científicas. Como inventor, é titular de aproximadamente 50 patentes, entre elas os primeiros aparelhos para detectar clorofluorocarbonos, gases que afetam a camada de ozônio, e resíduos de pesticidas no meio ambiente. Também é autor de vários livros. O último deles, “O desaparecido rosto de Gaia - Uma última advertência”, foi publicado em abril. O Terramérica conversou com Lovelock em Toronto.

TERRAMÉRICA: Por que o senhor critica o IPCC?

JAMES LOVELOCK: Não significa que não tenham excelentes cientistas. Mas seus modelos informatizados não dão conta da resposta da biosfera ao aumento da temperatura pelo aquecimento global, nem incluem a resposta das florestas ou dos oceanos à maior concentração de dióxido de carbono. Ainda não podem modelar a autorregulamentação da Terra. Por isso suas projeções não batem. As observações detectam que o aumento do nível do mar é muito maior e que o derretimento do Ártico está ocorrendo em maior velocidade do que acredita a maioria.

TERRAMÉRICA: A Terra já passou do ponto de inflexão climática?

JL: Sim. Está passando a um estado mais quente em resposta às mudanças que provocamos ao transformar boa parte da superfície do planeta e agregar dióxido de carbono à atmosfera. Não esqueçamos que a Terra já esteve quase inteiramente coberta de florestas, que eram uma parte importante do sistema regulador da vida planetária. Seguindo a Teoria Gaia, em algum momento haverá uma mudança repentina para um novo clima que poderá ser, em média, cinco ou seis graus mais quente do que o atual. Não tenho idéia de quando essa mudança poderá ocorrer, mas estimo que teremos cerca de 20 anos para nos preparar.

TERRAMÉRICA: Como será este novo clima?

JL:
As zonas tropicais e subtropicais serão muito quentes e secas para cultivar alimentos ou manter a vida humana. As pessoas serão obrigadas a emigrar para os polos, para lugares como o Canadá. No final do século haverá menos de um bilhão de pessoas. Tomara que não deixemos de ser civilizados, e que aqueles que viverem no Norte acolham uma quantidade inimaginável de refugiados do clima.

TERRAMÉRICA:
O senhor descreve um futuro nefasto. Não há esperanças?

JL:
Os seres humanos precisam adaptar-se para sobreviver neste novo planeta mais quente. Sobrevivemos à última era interglacial, quando o gelo cobria boa parte da América do Norte e da Europa e o nível do mar era 120 metros mais elevado do que agora. O primeiro passo é deixar de acreditar cegamente que tudo o que temos de fazer é reduzir nossa pegada de carbono e começar os preparativos para nos adaptar ao que virá.

TERRAMÉRICA: O senhor está dizendo que não devemos tentar reduzir as emissões de carbono?

JL:
Não estou dizendo que não podemos fazer nada. Digo que muitas das alternativas verdes, com a energia eólica, não têm mais que um valor simbólico. Depois dos Estados Unidos, a Alemanha é líder mundial em energia eólica, e suas emissões de carbono não deixaram de aumentar. É muito difícil reduzir drasticamente as emissões de carbono. O problema é que a pegada total de carbono de quase sete bilhões de pessoas é muito mais do que o planeta pode suportar nas condições atuais. Deveríamos proteger todas as florestas que restam, retornar boa parte das terras cultiváveis ao seu estado natural, utilizar os oceanos para capturar carbono e obter nossos alimentos a partir de alguma forma de biossíntese.

TERRAMÉRICA: A energia nuclear é uma alternativa melhor à eólica ou à solar?

JL: A nuclear é a única fonte de energia prática e baixa em carbono. O fato de ser rechaçada pelos ecologistas é uma bobagem. A energia nuclear é mais segura do que as outras, e as preocupações com seus resíduos são infundadas. Os dejetos produzidos em um ano por um grande reator nuclear caberiam dentro de um automóvel. Na França, os resíduos radioativos de 25 a 30 anos estão guardados em uma área bem protegida do tamanho de uma pequena sala de concertos. O dióxido de carbono é muito mais perigoso.

TERRAMÉRICA:
O que diz da geoengenharia, que manipula o clima para enfrentar os efeitos do aquecimento global?

JL: Vale a pena examinar idéias como a injeção de aerossóis de sulfeto na estratosfera para refletir parte do calor do Sol para o espaço, a fim de esfriar o planeta. Se isso funcionar, poderemos ganhar tempo, mas não solucionará o problema.

TERRAMÉRICA: Como chegamos a uma situação em que todas as espécies estão em perigo?

JL: É como a calma que antecedeu a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na Grã-Bretanha, que vivi quando era jovem. Ninguém fez nada até que as bombas começaram a cair. Para a maioria, a mudança climática é algo teórico. Espero que, quando desatar o primeiro grande desastre, nos unamos como se estivessem invadindo nosso país.

* O autor é correspondente da IPS.

Crédito da imagem: Gentileza Sandy Lovelock

Legenda: James Lovelock está perto de completar 90 anos.

LINKS

Quem salvará a Terra?, em espanhol
http://www.tierramerica.net/2000/suplemento/pag%207.htm

Sondagem climática divide cientistas
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=74

Cientistas pesquisam o degelo no Ártico
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=223

Energia mais limpa ou mais eficiente?
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=453

Renasce a energia nuclear
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=542

Plano nuclear na contramão da Europa
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=578

Site oficial de James Lovelock, em inglês
http://www.jameslovelock.org/

Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, em inglês
http://www.ipcc.ch/

**Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

Fonte: Envolverde/Terramérica

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Dia difícil para quem ajuda a devastar a Amazônia

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Dia difícil para quem ajuda a devastar a Amazônia

por Leonardo Sakamoto


De acordo com o Greenpeace, investigações sobre a indústria da pecuária brasileira revelaram que marcas famosas como Nike, Adidas, BMW, Gucci, Timberland, Honda, Wal-Mart e Carrefour impulsionam, involuntariamente, o desmatamento da Amazônia. Segundo a ONG ambientalista, a pecuária brasileira é hoje o maior vetor de desmatamento no mundo e a principal fonte de emissões de gases do efeito-estufa do Brasil. O estudo revela também que, nessa missão de devastação, a pecuária conta com um sócio inusitado, que tem entre suas atribuições zelar pela conservação da floresta amazônica: o Estado brasileiro.

No governo Lula, o Estado, através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), transformou-se em sócio e investidor de frigoríficos que, segundo a investigação do Greenpeace, compram sua matéria-prima de fazendas que desmatam ilegalmente, põem seus bois para pastar em áreas protegidas e terras públicas e utilizam mão de obra escrava.

Para fazer download do relatório do Greenpeace, clique aqui.

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O Ministério Público Federal do Pará também divulgou hoje que, com base em um rastreamento de cadeias produtivas realizado em parceria com o Ibama, iniciou duas dezenas de processos judiciais contra fazendas e frigoríficos, pedindo o pagamento de R$ 2,1 bilhões em indenizações pelos danos ambientais. Segundo o MPF, cerca de 70 empresas que compraram os subprodutos dos frigoríficos receberam, por enquanto, notificações, em que são informadas oficialmente da compra de insumos obtidos com desmatamento ilegal na Amazônia. A partir da notificação, devem parar a aquisição desse tipo de produto, ou passarão à condição de co-responsáveis pelos danos ambientais.

“Sabemos que a principal fonte impulsionadora do desmatamento na Amazônia é a criação de pastos. Por isso, queremos a aplicação da lei para que todas as empresas que participam dessa cadeia econômica de devastação paguem pelos danos ambientais”, disse o procurador da República Daniel César Avelino, responsável pelos processos, em nota divulgada à imprensa. Entre as empresas notificadas estão varejistas como Carrefour, Wal-Mart, Bompreço (que pertence ao Wal-Mart) e Pão de Açúcar. Entre os frigoríficos processados aparece um dos maiores do país, o Bertin, que comprou gado de fazendas multadas pelo Ibama e de uma que fica dentro de uma reserva indígena. Entre as fazendas irregulares, nove pertencem a Agropecuária Santa Bárbara, ligada ao banqueiro Daniel Dantas.

As indenizações podem chegar a valores altos, de acordo com o Ministério Público Federal. No caso da Espírito Santo, os proprietários e os frigoríficos podem ter que pagar mais de R$ 142 milhões, além de ter seus rebanhos confiscados. A maior indenização refere-se ao caso da fazenda Rio Vermelho, da família Quagliato (uma das maiores pecuaristas do Brasil), em Sapucaia, Sul do Pará, que pode ter que desembolsar mais de R$ 375 milhões.

Para baixar a lista das empresas notificadas que compraram produtos dos frigoríficos, clique aqui.

Para baixar a lista das fazendas e frigoríficos que estão sendo alvos de processos, clique aqui.

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Em outubro do ano passado, a Repórter Brasil e a Papel Social lançaram o estudo Conexões Sustentáveis - Quem se beneficia com a destruição da floresta, mostrando como mercadorias produzidas através de desmatamento ilegal, crimes ambientais, trabalho escravo e ataques a comunidades tradicionais chegavam à cidade de São Paulo e eram exportadas. O estudo mostra como grandes empresas, como frigoríficos, tradings, siderúrgicas, montadoras de carros, supermercados, madeireiras, construtoras lucram direta ou indiretamente com esse processo.

Grilagem de terras, corte ilegal de madeira, avanço de pastagens, monocultura agrícola e mineração predatória são os principais combustíveis da devastação da Amazônia. Em nome de um suposto progresso econômico e da geração de empregos, a floresta vem abaixo, quase sempre sem levar em conta as questões ambientais e a responsabilidade social. O manejo sustentável é uma exceção e o exemplo clássico é a madeira: ao menos 80% das árvores são derrubadas de forma predatória.

Povos indígenas, comunidades tradicionais e pequenos agricultores estão no topo da lista dos que saem perdendo. No entanto, essa relação é ainda mais longa, uma vez que não só o Brasil, mas o planeta inteiro é afetado pela exploração inconseqüente dos recursos naturais, já que a floresta em pé é decisiva para a manutenção da qualidade de vida de milhões de pessoas. Entre outras funções vitais, ela regula o regime de chuvas e a temperatura média de uma extensa área do país.

A destruição da Amazônia tem uma forte relação com a economia de mercado. Na ponta da cadeia produtiva, diversos atores se beneficiam. Madeireiras, frigoríficos e agroindústrias estão diretamente ligadas ao problema, pois compram de fornecedores que estão na linha de frente do desmatamento. Posteriormente, distribuem produtos industrializados para uma ampla rede de compradores. O resultado final chega à casa de todos. Supermercados vendem carne produzida por frigoríficos que, por sua vez, compraram gado de fazendeiros que cometeram crimes ambientais e trabalhistas. Prédios são construídos com madeira oriunda de produtores que já foram flagrados destruindo a floresta.

Multinacionais que vendem produtos de madeira certificada, e que se dizem preocupadas com o aquecimento global, podem adquirir matéria-prima de uma madeireira multada nove vezes nos últimos quatro anos por desrespeitar a legislação ambiental? Supermercados podem comercializar carne comprada de um frigorífico que abate gado oriundo de produtores flagrados por desmatamento ilícito e trabalho escravo? Restaurantes podem vender hambúrgueres de produtores do bioma amazônico quando seus documentos de responsabilidade social avisam o consumidor de que isso não acontece? O poder público pode realizar obras de infra-estrutura com madeira comprada de uma empresa que se relaciona com madeireiras que atuam em áreas embargadas e são acusadas de crimes ambientais?

Tais perguntas precisam de respostas imediatas. A responsabilidade social empresarial deve ser exercida em sua plenitude e não apenas em ações de marketing social ou de filantropia. O consumidor precisa urgentemente ser educado e se educar para não comprar, sob nenhuma condição, produtos que tenham crimes ambientais e trabalhistas em sua cadeia de produção. O poder judiciário deve se agilizar e fazer o que for necessário para evitar que um processo por destruição ambiental ou por trabalho escravo se arraste por anos. Os agentes financiadores, públicos e privados, não podem mais injetar recursos em processos predatórios, seja através de compras públicas ou de financiamento à produção. O governo precisa tornar eficiente sua capacidade de fiscalização, educação e repressão às ações criminosas. E, principalmente, criar instrumentos de rastreamento de carne, soja, madeira para garantir que sociedade civil e setor empresarial possam desempenhar melhor sua parte.

O ato da compra é um ato político poderoso. Através dele damos um voto de confiança para a forma pela qual determinada mercadoria é produzida. Um exercício democrático que não é exercido apenas a cada quatro anos, mas no nosso dia-a-dia. E que pode ditar o destino da maior floresta tropical do mundo e de sua gente. Ou seja, também cabe a cada um de nós, decidir o futuro da Amazônia.

Para fazer download do relatório da Repórter Brasil e da Papel Social, clique aqui.

Fonte: Blog do Sakamoto

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domingo, 31 de maio de 2009

Mora na filosofia

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A água é um dos elementos que o filósofo australiano Peter Singer usa, em seu recente livro The Life You Can Save, para convencer cidadãos dos países ricos de que se pode acabar com a pobreza extrema no mundo. "Você tem uma garrafa d'água ou uma lata de refrigerante a seu lado enquanto lê?", pergunta. "Se você paga por algo para beber quando água potável sai da sua torneira, então tem dinheiro para gastar com coisas de que realmente não precisa. Ao redor do mundo, um bilhão de pessoas lutam para viver cada dia com menos do que você pagou por essa bebida." Adepto do utilitarismo - corrente segundo a qual a moralidade de uma ação é determinada por seu impacto no bem-estar de todas as pessoas ou de todos os seres capazes de sentir -, Singer é conhecido pelo livro Animal Liberation, considerado pedra fundamental do movimento pelos direitos dos animais. Mais recentemente embarcou em uma cruzada para "mudar a cultura da doação" e provar que, se todos fizerem um pouco, o resultado será positivo. No livro, Singer discorre sobre os motivos que levam as pessoas a não doar dinheiro - o fato de que os beneficiados estão longe, a possibilidade de que o dinheiro seja desperdiçado e a ideia de que uma pequena ação não é suficiente para exterminar um mal tão grande. Segundo ele, todas questões psicológicas que não abalam o argumento moral para doar. No website www.thelifeyoucansave.com, ele pede que seus leitores façam doações de acordo com sua renda anual.

Por Flavia Pardini


O senhor defende que as pessoas nos países desenvolvidos doem pelo menos 1% de sua renda a organizações que trabalham para acabar com a pobreza extrema no mundo. Por que doar dinheiro e não tempo ou esforços para melhorar a vida das pessoas?

Esta é uma questão relevante se falamos para os brasileiros, porque há brasileiros afluentes que vivem bem ao lado de pessoas que vivem na pobreza extrema. Mas, se estamos falando para os australianos ou os americanos, não é fácil de ver como eles poderiam doar tempo de maneira útil.

Poderiam doar tempo para ajudar a recolher dinheiro, mas não acho que seria uma boa ideia que todos os australianos ou americanos voassem para algum lugar onde há pessoas vivendo na pobreza extrema. Não seria bom para o clima e provavelmente não seria muito efetivo. Dinheiro é apenas uma maneira pela qual podemos ajudar.

Assim como há pessoas afluentes no Brasil que vivem perto da pobreza, os australianos vivem perto de comunidades aborígines muito pobres. É ético doar para organizações que ajudam os pobres ao redor do mundo quando há pessoas sofrendo tão perto?

Eu não conheço o Brasil bem o suficiente, mas todo mundo no Brasil tem acesso a serviços de saúde? Todo mundo no Brasil tem acesso a um mínimo de seguridade social? Todo mundo no Brasil tem a possibilidade de mandar suas crianças para a escola?

Não nego que haja problemas com as comunidades tradicionais australianas, mas acho que são diferentes, não são problemas que serão solucionados se dermos mais dinheiro. Há coisas na Austrália que podem ser feitas que requerem mais dinheiro, como melhorar os serviços sociais, mas acho que se trata de problemas, de certa maneira, muito mais difíceis.

O sistema econômico atual depende de que as pessoas consumam mais do que precisam, mas, enquanto isso, outras passam fome.

Há quem trabalhe para viabilizar alternativas a este sistema. Tal esforço é equivalente, em termos éticos, a doar dinheiro para organizações de caridade no sistema atual?

Pode ser, se você acredita que há esperança de que isso ofereça uma solução para a pobreza no mundo. Eu acho que esses esforços são muito pequenos e não tenho certeza de que aceito a premissa por trás da sua pergunta, sobre o sistema que criou a desigualdade. Não tenho certeza de que a desigualdade foi criada por um sistema, talvez ela tenha sido exacerbada por vários tipos de sistemas econômicos e políticos. Mas acredito que há muitos fatores que influenciam, e acho que ninguém sabe realmente como mudar o sistema de forma a reduzir ou eliminar a pobreza no mundo. Mas se há esperança de que se pode fazer isso, então, claro, é um bom trabalho a se fazer.

O economista John K. Galbraith, no prefácio do livro A Sociedade Afluente, escreveu que a pobreza é o estado "normal" do homem e que sociedades ricas são a exceção. Talvez por isso, boa parte dos economistas tende a focar na "criação de riqueza" em vez de na distribuição mais equitativa em economias mais pobres. Qual a sua visão?

Se soubéssemos como distribuir riqueza de forma que todos tivessem o suficiente, isso seria uma coisa boa a se fazer, mas parece que o sistema econômico mais produtivo que conhecemos é baseado na distribuição desigual e as tentativas para produzir uma distribuição mais equitativa não são muito bem-sucedidas em eliminar a pobreza. O que não quer dizer que não devam ser buscadas. Mas trata-se da diferença entre dizer "isso é algo que eu posso fazer para ajudar as pessoas que passam fome ou não têm acesso a serviços de saúde ou à educação", em vez de dizer "talvez eu possa mudar o sistema de distribuição de forma que todos se beneficiem". Isso é mais uma esperança do que um plano realista.

O importante são as consequências dos nossos atos, e quão rápido elas aconteçam?

Não quão rápido aconteçam, mas quão provável é que as consequências que queremos vão ocorrer.

Dar dinheiro a organizações de caridade é um ato individual. Tem o poder de mudar o estado de coisas - a pobreza crônica em algumas partes do mundo - provocado pela ação coletiva? Como?

Um indivíduo pode fazer a diferença para uma família, ou para uma vila, dependendo de quanto dinheiro tem. Mas muitos indivíduos podem fazer a diferença para muitas vilas, e, se uma quantidade suficiente de indivíduos está comprometida em trabalhar para a mudança, acho que pode acontecer. Muitas coisas funcionam dessa maneira, pode haver movimentos que se concentram em mudar as coisas, mas a mudança também tem que ser aceita na esfera individual.

O senhor está satisfeito com a resposta, até agora, ao pedido para que as pessoas se comprometam a doar um percentual de suas rendas - por meio de um website (no dia da entrevista, cerca de 500 pessoas haviam se comprometido)?

Uma vez que o website está funcionando há apenas três semanas e o livro só foi publicado na Austrália, sim, estou muito feliz. Mas, se dentro de um mês, quando o livro terá sido publicado nos Estados Unidos, este número não estiver nos milhares, não estarei tão feliz.

O senhor começa o livro dizendo que, se o leitor toma água engarrafada, paga por algo que não precisa, já que a água potável vem pela torneira. A água é um recurso comum compartilhado pelas sociedades em um mundo globalizado, assim como a atmosfera. Qual seria uma maneira justa de dividir tais recursos?

Bem, a atmosfera é diferente, porque é um recurso global. A água no Brasil é um recurso brasileiro e há água suficiente no Brasil, é uma questão de fazer a água potável chegar aos lugares certos, eu acho. Água é um tema que precisa ser enfrentado nacionalmente. Mas a atmosfera é um tema global e temos que trabalhar para produzir algo totalmente novo, um sistema que regule quanto da atmosfera cada nação pode usar quando emite gases de efeito estufa.

Como deve ser esse sistema? Países como o Brasil resistem em aceitar que devem cortar suas emissões...

...e com razão, uma vez que eles produzem muito menos gases de efeito estufa per capita do que os Estados Unidos ou a Austrália ou a Europa. O Brasil propôs o que considero o sistema certo, um sistema de partes per capita iguais, mas a proposta brasileira foi desviada para um inquérito e não sei o que ocorreu com ela [A proposta brasileira apresentada em 1997 durante as negociações que levaram ao Protocolo de Kyoto define metas de redução diferenciadas para cada país, de acordo com o impacto de suas emissões históricas no aumento da temperatura. A proposta foi encaminhada ao órgão assessor da Convenção do Clima para temas científicos, o SBSTA, que encerrou as discussões sobre o assunto em junho de 2008]. O princípio de partes per capita iguais é o correto, a chanceler (alemã) Angela Merkel disse que é o que precisamos fazer, ele tem conseguido alguma atenção dos líderes políticos.

Mas as chances de ser adotado parecem pequenas, pois colocaria os países ricos em uma situação difícil.

Muito difícil. Talvez se dermos tempo suficiente a eles. Merkel falou em 2050, mas é fácil dizer, pois até lá ela não será mais chanceler. A questão é qual pode ser um princípio justo e, a longo prazo, este parece ser o candidato óbvio, da mesma forma que "uma pessoa, um voto", é o candidato óbvio para resolver disputas sobre o poder político.

Quanto à água, alguns ativistas defendem que o acesso à água potável seja considerado um direito humano. Qual a sua opinião?

Eu tendo a não discutir as coisas em termos de direitos humanos. É um direito humano ou não é um direito humano... o que isso quer dizer? Como alguém pode defender o que é um direito humano e o que não é? Obviamente acesso a água potável é algo muito importante que todas as pessoas deveriam ter, e nós devemos fazer o melhor para garantir que todos tenham. Mas não acho que se deva debater se é ou não um direito humano. O que se consegue com isso?

Algumas pessoas acreditam que isso dificultaria a exploração comercial dos recursos hídricos, como, por exemplo, o envasamento de água para vender às pessoas afluentes e obter lucro, enquanto outras não têm o que beber.

O fato de que alguém obtém lucro ao vender alguma coisa não significa que as pessoas não tenham os direitos humanos sobre isso, não é? Há o direito humano para tudo, o direito humano à educação, por exemplo, mas isso significa que se deve proibir que as pessoas estabeleçam escolas que buscam o lucro? Eu acho que não. Acho que se deve permitir, mas também acho que cada governo deve fazer o seu melhor para garantir que toda criança possa ir à escola, assim como todos os governos devem fazer seu melhor para garantir que todos tenham acesso à água potável. Não me importa se, além disso, outras pessoas ganhem dinheiro vendendo a água que eles dizem vir de algum lugar especial, ou algo parecido.

Com uma população de quase 7 bilhões de pessoas que consomem 30% mais recursos do que o planeta pode repor...

...isso é controverso, obviamente.

Por quê?

Não é uma afirmação factual. O que quer dizer? Repor em que sentido?

Trata-se da Pegada Ecológica, que estima a área biologicamente produtiva necessária para regenerar os recursos consumidos pela população humana e absorver os dejetos produzidos.

É muito difícil medir, não acredito que haja uma prova científica sobre o quanto a Terra pode suportar. Algumas vezes usamos um recurso até o fim, mas o substituímos por outro. Há 30 anos as pessoas diziam "vamos ficar sem cobre". Passaram-se alguns anos e começamos a usar fibras óticas para fazer muitas das coisas para as quais usávamos o cobre, e não ficamos sem cobre.

A pergunta não era sobre a capacidade da Terra de repor recursos. Em um mundo com quase 7 bilhões de pessoas e um consumo considerável de recursos, é certo falar em controle de população?É algo que deveria ser discutido?

Com certeza deveria ser discutido.

Não por causa do consumo de recursos, porém?

Também por causa dos recursos. Não questiono que estamos causando muito dano à ecologia do planeta, apenas não vejo como especificar um número para isso. Mas certamente acho que devemos reduzir, e eventualmente estabilizar, o crescimento populacional.

Como fazer isso, uma vez que há resistência a até mesmo falar sobre o assunto em várias partes do mundo?

Em alguns países há resistência, em outros, não. Suponho que no Brasil haja uma influência substancial da Igreja Católica, e isso é sempre um problema. Eu acho que é preciso falar sobre este assunto, e, se isso significa criticar a Igreja Católica pela posição que ela tem, então é isso que você tem que fazer. Acho que a posição da Igreja Católica em relação à população é um escândalo. Não permitir o uso de camisinha nem mesmo para prevenir o HIV é quase um crime.

Mesmo onde a Igreja não é tão influente, pouco se ouve falar de controle da população. Na Austrália, o governo dá 5 mil dólares aos pais de cada criança nascida. Há debate suficiente hoje? Poderia haver mais. Havia muito nos anos 60, quando o tema foi até superexplorado. Alguns daqueles livros dramáticos como Population Bomb, de Paul Ehrlich, foram superpromovidos e, então, as pessoas disseram: "Oh, foi um erro", e o assunto morreu. Acho que certamente é hora de ressuscitá-lo, e, nos países com crescimento rápido da população, é urgente que seja discutido.

Ambientalistas e ativistas sociais enfrentam um dilema em relação ao aumento da prosperidade das classes baixas e médias nos países em desenvolvimento. De um lado, isso é muito bom, mas teme-se que mais consumo agrave a crise ambiental com efeitos negativos para todos. Como vê o problema?

Acho que é ótimo que as pessoas das classes mais baixas se tornem mais prósperas e sejam capazes de comprar as coisas de que elas e suas famílias precisam, mas nós temos que aprender a produzir estas coisas de maneira sustentável. É um problema em parte cultural -em termos do que as pessoas são incentivadas a pensar que precisam consumir - e em parte tecnológico- temos que desenvolver formas de produzir de modo sustentável algumas coisas que as pessoas vão querer.

O senhor escreveu que a globalização faz uma diferença importante para a nossa situação moral: não há mais justificativa para discriminação em termos geográficos. Alguns analistas temem que a atual crise econômica coloque a globalização em marcha a ré. Quais seriam as consequências?

O risco real é que isso inviabilize mercados para os países em que as pessoas são muito pobres e cuja melhor chance de sair da pobreza é produzir coisas para exportação. Esse foi o caminho que tirou centenas de milhares de pessoas da pobreza na China e na Índia, por exemplo, e até certo ponto no Brasil. Então, se isso para, é questionável se as pessoas terão outros caminhos para escapar da pobreza. Talvez elas consigam, não estou certo disso, mas teríamos que encontrar novas maneiras de dar-lhes alguma chance de sair da pobreza.

Trata-se de preservar uma fórmula que já conhecemos?

Sim, é isso, uma fórmula que tem seus problemas, sem dúvida, mas temos soluções melhores? Se tivermos soluções melhores, tudo bem.

O livre-mercado não existiria sem cooperação, mas alimenta-se de interesses egoístas. É possível dizer que os seres humanos têm apenas uma essência verdadeira - são cooperativos ou egoístas?

Tais características não se excluem mutuamente, pode ser que a cooperação seja a melhor maneira de alcançarmos nossos interesses. Acho que somos tanto cooperativos como egoístas, evoluímos para ter ambas as tendências. Se não tivéssemos tido um certo interesse em nossa própria sobrevivência e naquela de nossos filhos, teríamos desaparecido ao longo da história evolutiva. Mas certamente temos tendências inatas a cooperar com aqueles que se dispõem a cooperar conosco.

Recentemente uma revista americana perguntou a uma série de intelectuais se "o mercado livre corrói o caráter moral". Há uma resposta?

A resposta é sim, pode corroer em algumas circunstâncias, mas não é inevitável.

Foi o que aconteceu com a recente débâcle financeira?

Acho que o problema foi um sistema de incentivos que não combinava com um sistema de longo prazo, estável, benéfico. Você poderia dizer, sim, foi por causa dos incentivos oferecidos pelo mercado, mas não pode responsabilizar o mercado por criar interesses egoístas. Havia egoísmo muito antes que houvesse capitalismo.

O senhor disse que um dos objetivos ao argumentar que as pessoas devem doar dinheiro é "demonstrar que os seres humanos podem ser movidos por argumentos morais". Por quê?

Se os seres humanos não pudessem ser movidos por argumentos morais, você teria menos esperança de efetivar a mudança. Teria de recorrer ao poder ou à coerção para tornar as coisas melhores. Se fosse assim, seríamos do jeito que somos, de maneira inata, não sujeitos a considerações morais - e, se isso se aplicasse a todos, seria difícil ter qualquer otimismo sobre o futuro do planeta.

A mudança cultural necessária em relação à questão climática é justamente apelar para questões morais? Por exemplo, pense nas futuras gerações.

Exatamente, e é por isso que é realmente difícil. Porque você tem que pensar em um horizonte longo, tanto em termos do impacto que temos nas pessoas em outros países como no impacto que teremos nas pessoas que estarão aqui em 50 anos.

Nos dias de hoje - com uma superpopulação humana, que consome uma quantidade razoável de recursos, e a persistência da desigualdade no mundo - o que é levar uma vida ética?

É refletir no impacto do modo de vida que você leva sobre o resto do mundo - seres sensitivos em todo o mundo - e tentar viver de maneira que minimize o dano que você causa e maximize os benefícios que produz.

Fonte: Página 22

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Economia versus preservação

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por Danilo Pretti di Giorgi*

Os recentes ataques desferidos contra as leis ambientais no Brasil mostram que está, enfim, chegando a hora de enfrentarmos com seriedade e sem esquivas o dilema ‘crescimento econômico versus preservação do meio ambiente’.

Exemplos não faltam, mas o mais chocante vem de Santa Catarina, onde, ironicamente, o desrespeito às leis ambientais foi um dos maiores responsáveis pela tragédia das enchentes no ano passado. A Assembléia Legislativa catarinense aprovou em março um código estadual do meio ambiente que, entre outras coisas, reduz de 30 para cinco metros a área de proteção obrigatória das matas ciliares (vegetação que protege as margens dos rios, com função similar à de sobrancelhas e cílios para os nossos olhos). O tal código estabelece também que toda terra já cultivada no estado seja considerada "área consolidada", o que garante a continuidade de produção mesmo onde ela ocorre ilegalmente em regiões de preservação.

Curto e grosso assim, um exemplo seco de total desprezo pelas mínimas necessidades da vida selvagem em nome de uma aparentemente incontrolável necessidade de expansão da área cultivada. Um detalhe: o código é francamente inconstitucional, pois a legislação estadual não pode ser mais permissiva que a federal equivalente.

Em Brasília, estão tentando reduzir as reservas legais, as áreas que devem ser preservadas nas propriedades rurais (sendo que as porcentagens variam de uma região para outra do país) e há iniciativas para revogar decretos de proteção de dez milhões de hectares em unidades de conservação federais (uma área que corresponde a mais de duas vezes o estado do Rio de Janeiro).

A ofensiva, liderada por políticos da bancada ruralista, tenta também anular os efeitos de recentes iniciativas governamentais para frear o desmatamento, como o Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, que corta o crédito rural de fazendeiros que desmataram ilegalmente, e o decreto 6.514, que prevê sanções administrativas pelo descumprimento do Código Florestal.

Enquanto isso, nove reservas em diferentes pontos do país estão emperradas na Casa Civil esperando autorização, pois o Ministério das Minas e Energia tem interesse nas áreas. Já o Ministério do Meio Ambiente recebeu apenas mil dos três mil novos fiscais que pediu para lutar contra o desmatamento na Amazônia. E a intenção de criar a Guarda Florestal Nacional ficou só na intenção. A lista de ataques não pára por aí, e seria cansativo para o leitor se eu tentasse esgotá-la neste espaço.

Enquanto tudo isso acontece, assistimos, perplexos, ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, elogiar o exemplo catarinense e brincar de vidente ao "prever leis ambientais mais flexíveis no país". Stephanes também tem defendido crimes como a liberação da agricultura em topo de morros e encostas e quer que a compensação de áreas desmatadas ilegalmente possa ser realizada com reflorestamento em locais distantes, até mesmo em outros estados (algo tão absurdo quanto propor que você resolva o problema causado pelo buraco no telhado da sua casa consertando o telhado da casa do seu vizinho). O ministro podia perguntar aos catarinenses que tiveram parentes mortos e casas destruídas pelas enchentes o que acham das suas idéias.

Stephanes está na linha de frente da ofensiva, fazendo ameaças, como a previsão de que, caso não sofra modificações profundas, o Código Florestal inviabilizará "quatro milhões de hectares produtivos, quinze milhões de toneladas de produtos, além de provocar o desaparecimento de milhares de agricultores, propriedades e até de pequenos municípios".

Essa fala do nobre ministro esclarece, portanto, o que a maior parte dos ambientalistas prefere fingir que não vê: ao contrário do que ouvimos muito por aí, meio ambiente e crescimento econômico se chocam, sim, e não são naturalmente compatíveis. É preciso tirar de um para dar ao outro. E é preciso coragem para encarar um debate sobre esse fato, para que se possa questionar o paradigma da premência do crescimento econômico sem fim.

Quando a discussão acerca da questão ambiental se acentua, os defensores da teoria furada do crescimento eterno usam em sua defesa os argumentos da ameaça ao crescimento econômico, aos empregos, à saúde da economia. É neste ponto que os ambientalistas costumam recuar, afirmando ser possível aliar crescimento econômico e preservação, discurso sempre presente na mídia de massa e nos bolsos dos coletes do ministro Minc.

É claro que poderíamos adiar este embate se a elite brasileira não fosse tão pré-histórica em suas práticas nem tão cega para qualquer coisa que não signifique o lucro imediato, com o menor esforço possível e a qualquer preço. Se empresários e ruralistas aceitassem a possibilidade de uma margem de lucro um pouco menor, o choque entre preservação e crescimento da economia poderia ser empurrado para frente, para daqui a dez ou quinze anos, caso houvesse, por exemplo, real interesse na recuperação dos tais 60 milhões de hectares em áreas degradadas, ao invés de desmatar novas áreas. Ou se aplicássemos técnicas para melhor aproveitamento das áreas produtivas. Ou ainda se buscássemos seriamente alternativas para aproveitamento econômico da floresta com atividades verdadeiramente sustentáveis. Ou se pensássemos na agricultura em termos mais amplos, com olhos voltados para todos os tamanhos de propriedades e para a diversificação e não só nas grandes propriedades monocultoras. Ou talvez se enxergássemos a função social da propriedade, tal qual manda a Constituição.

Mas nada disso é mais rentável que simplesmente derrubar mata virgem e tocar fogo, e esse fato singelo faz a conversa terminar por aí quando falamos de capitalismo brasileiro. Mesmo na hipótese da aplicação de opções como as descritas acima, depois de certo tempo o embate entre crescimento econômico e preservação voltará à tona. Não há como fugir disso. Enquanto não tivermos coragem de enfrentar seriamente essa verdade continuaremos a ser presas fáceis daqueles que se aproveitam das brechas nas nossas argumentações para enriquecerem às custas da natureza.

Não é possível que toda vez que alguém fale em "ameaça ao crescimento econômico" os ambientalistas corram para apagar o fogo e tentar apaziguar, apegando-se ao discurso oficial, amparado em grande parte pela sede das grandes ONGs ambientalistas por patrocínios polpudos. É preciso, ao invés disso, que cada um mostre realmente de que lado está, comprando a briga e aprofundando este debate, sem medo de suas conseqüências.

*Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

E-mail: digiorgi@gmail.com

Fonte: Correio da Cidadania

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terça-feira, 26 de maio de 2009

“Grandes produtores aterrorizam pequenos”

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por Henrique Andrade Camargo, do Mercado Ético

Nada parece mais óbvio nesse momento de mudança climática do que preservar o ambiente, certo? Errado. Pelo menos para a bancada ruralista e os grandes produtores rurais do país, que lutam para afrouxar as leis ambientais no país. A revelação foi feita pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, durante encontro de ambientalistas realizado no sábado (23/5), no parque do Ibirapuera.

“Vivemos um momento político muito delicado. Os grandes produtores querem usar a desinformação para aterrorizar os pequenos, que dependem da agricultura familiar para sobreviver”, denuncia o ministro. “Querem passar o cerol decreto de lei [n° 11428], o que vai causar mais desmatamento e despejar toneladas de agrotóxicos no solo”, completa.

O ministro também atacou os parlamentares que formam a bancada ambientalista no Congresso Nacional. Ele diz que dos 240 políticos que se intitulam como tal, salvam-se no máximo 30. “Na hora de aprovar projetos para proteger o meio ambiente, a grande maioria vota com os ruralistas”, ataca ele, pedindo para membros de Organizações Não-Governamentais aumentarem as pressões no poder público para que impeçam a progressão do desflorestamento.

ABC da lei ambiental

A informação também será uma arma do ministério para lutar contra o terror dos grandes produtores. Uma cartilha abordando os principais pontos da Lei e Decreto da Mata Atlântica será distribuída em 3.411 municípios dos 17 estados abraçados pela Matas Atlântica. A publicação vai destacar os possíveis uso da floresta, bem como as formas como devem ser feitas.

“A legislação prevê vários tipos de ocupação e exploração econômica possíveis na floresta, mas quase ninguém sabe disso. Os ruralistas estão inventando que vamos derrubar as macieiras e as parreiras das encostas, que vamos expulsar famílias de agricultores e outras barbaridades. Com isso, estão conseguindo apoio para defender seus interesses particulares. Vamos mostrar que a legislação protege os interesses maiores do país e defende os pequenos produtores “, conclui Minc.

Fundo para a Mata Atlântica

O ministro anunciou no encontro a criação de um fundo de 34 milhões de dólares para a Mata Atlântica. O dinheiro virá de uma dívida do Brasil com os Estados Unidos, que será convertida em investimentos ambientais. Ele explica que esse fundo funcionará como o Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), considerado o maior programa para a conservação de florestas tropicais do mundo.

Fonte: Mercado Ético

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“O PIB precisa ser colocado no seu papel de coadjuvante”

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“Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB)”. A opinião é do professor Ladislaw Dowbor, do Programa de Pós Graduação em Administração da PUC-SP em entrevista a revista Desafios do IPEA, do mês de maio 2009.

O professor critica severamente a metodologia do PIB. Segundo ele, “na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno”.

Eis a entrevista.

A crise financeira internacional pode afetar a crença nas leis de mercado e no próprio sistema capitalista na mesma proporção em que a queda do muro de Berlim determinou os destinos do comunismo?

Há tantas refutações de que o mercado não funciona que é duvidoso. Ele simplesmente é necessário. Eu trabalhei na Polônia no âmbito da economia socialista. Havia mecanismos de mercado amplamente utilizados. Não estou falando do mercado no processo de concorrência entre uma série de produtores e pessoas que trocam valores com outros, permitindo a divisão de trabalho na sociedade. Isso é valioso e deve ser guardado. O que se confundiu foi o mecanismo de mercado com a regulação geral da sociedade.

Como assim?

O mecanismo de mercado protege para as trocas. Não protege o que produzimos, para quem e sobre quais custos tanto para a natureza quanto para a sociedade. Portanto, o que está acontecendo é que o mercado está perdendo sua capacidade reguladora na sociedade. O sistema de bancos no Brasil é essencialmente carteirizado. Na Inglaterra, o crédito pessoal no HSBC é de 6%, enquanto aqui passa de 60%. Se houvesse mecanismos de mercado, as pessoas iriam buscar capital lá ou aplicariam aqui. Ou seja, nas áreas carteirizadas, que pertencem às grandes corporações, deixou de funcionar o mercado.

O que fazer então?

É preciso ter sistemas de regulação equilibrados entre os intermediários financeiros, bancos centrais, governos e as organizações de usuários. O mercado não resolve tudo sozinho. Veja, por exemplo, o caso de grupos como as Casas Bahia, que trabalham frequentemente com taxas de juros de 100%. Uma pessoa de baixa renda paga o dobro do valor de um produto. Isso é extorsivo e se baseia na manutenção da desigualdade de renda, que força as pessoas sem dinheiro vivo a pagar em pequenas prestações o dobro do que pagaria uma pessoa com mais recursos. Existe um mecanismo financeiro de concentração de renda. São áreas comerciais que passaram, ainda que de forma não declarada, a ter uma atuação financeira. Assim, o acesso aos recursos e a distribuição equilibrada na sociedade está cada vez menos regulada com mecanismos de mercado. Além disso, o mercado é nocivo na exploração de bens naturais.

Como?

Basta observar o caso da pesca oceânica. Com o GPS e as novas tecnologias, se torna possível extrair o volume de peixes desejado. Virou um matadouro. E quanto mais avança a tecnologia, mais barato é capturar o peixe. No entanto, à medida que os peixes vão se esgotando, os preços sobem. O problema da água também está se tornando crítico para a humanidade. Com sistemas modernos se tornou viável bombear enormes quantidades de lençóis freáticos subterrâneos que se acumulam durante séculos. O processo funciona com extrema rapidez. Isso gera grandes fortunas para determinados grupos, que não arcaram com custos da sua produção. Por outro lado, liquida, a base de água e não gera emprego. Esse eixo é simplesmente destrutivo para as áreas de recursos limitados. Então, o mercado não tem capacidade para regular áreas que envolvem recursos naturais. Com a crise financeira internacional, há muitos especuladores à procura desesperada de onde aplicar seus recursos. Eles querem comprar imensas áreas de solo no Brasil de olho na pressão alimentar e na oportunidade de lucros com os bicombustíveis.

O governo brasileiro acertou então ao criar uma moratória de compra e venda de terras em áreas onde a água deveria ser canalizada?

Sim. Caso contrário você teria europeus, americanos e grupos de São Paulo comprando todas aquelas terras para revender ou aproveitar os seus eventuais benefícios. A capacidade reguladora do mercado se perdeu no momento em que cresce a pressão por recursos naturais, aumenta a população mundial, o nível de consumo e na medida em que se formam grandes conglomerados planetários. Isso já não é mercado. São sistemas de poder de grupos privados que exercem poder político sem serem eleitos. Por isso defendo que o mecanismo econômico tem de ser democratizado.

Qual sua avaliação sobre a declaração final do encontro do G-20 realizado em Londres no mês passado?

Tivemos um encontro do G-20 em novembro e, outro mais recente, em Londres. Não há uma diferença substantiva entre os dois. São declarações de intenções que se destinam basicamente a apaziguar a tensão, uma vez que centenas ou milhões de aposentados perderam sua aposentadoria e há um número crescente de desempregados. A tensão em torno destes problemas se tornou imensa. A declaração do G-20 de Londres é positiva em algum sentido. Primeiro porque se expandiu o número de países que participam do processo político. Tem um lado um pouco sem vergonha nisso porque quando as potências prosperavam era G-7. Quando estourou a crise, eles foram buscar sócios. De qualquer maneira, os 29 pontos da declaração são grandes princípios, além de positivos, sobretudo no que se refere ao meio ambiente, maior controle sobre o sistema financeiro, fim do protecionismo, mais poder ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e um aumento na participação de diversos países nas várias instituições internacionais.

O que poderia ter sido aprimorado?

Quase ninguém reparou que há um anexo de medidas financeiras na declaração de Londres, que foi feito rigorosamente por gente do chamado mercado financeiro. Por exemplo, as compensações para diretores e acionistas será responsabilidade deles próprios. Ou seja, não haverá nenhuma instituição para fiscalizá-los.

O senhor acredita que as propostas serão implementadas?

As propostas de arquitetura financeira mundial contidas nos acordos de Bretton Woods foram trabalhadas durante dois anos até a sua implementação. Eu, particularmente, estou cético e realista neste aspecto. Estamos começando um processo. Você não faz isso em três ou seis meses. Além disso, tudo vai depender da profundidade da crise, que ainda é completamente incerta. Ninguém sabe, nem mesmo o pessoal que criou esta crise. Mudanças mais profundas no sistema dependem da intensidade da crise. Se amanhã tudo voltar à normalidade, os especuladores, que criaram o problema, vão tentar manter as coisas como estão, esperando pela próxima crise. Isso já ocorreu antes com as crises na década de 1990. Estamos num limbo de regulação que é extremamente perigoso.

A dívida pública dos Estados Unidos ultrapassou o teto dos US$ 10 trilhões. As injeções de recursos no sistema financeiro pelo governo do presidente Barack Obama surtiram efeito?

Injetar dinheiro nos intermediários financeiros foi a primeira reação. Os bancos estão quebrando. Portanto, você coloca dinheiro para não quebrar. Contudo, a economia real começa a quebrar por falta de crédito. O que eles fizeram então? Injetaram mais dinheiro nos bancos, pensando que com mais liquidez eles passariam a oferecer crédito. Isso não aconteceu. No caso dos Estados Unidos, os bancos maiores estão comprando os pequenos para reforçar oligopólios. Há uma dimensão profundamente golpista neste sentido. Afinal, eles não querem mercado. No caso brasileiro, os cerca de R$ 100 bilhões que foram transferidos para os bancos via redução do compulsório e outros mecanismos, em vez de se transformarem em crédito para dinamizar a economia, estão sendo utilizados na compra de títulos do governo para depois serem remunerados pela taxa Selic. Ou seja, o sistema financeiro não está fazendo o seu papel de financiar a economia. Um papel, aliás, que está na Constituição.

O papel do Estado na economia deve ser rediscutido?

Estamos constatando a necessidade de fazer funcionar a economia com o interesse de uma sociedade socialmente equilibrada e com políticas ambientais que não destruam o planeta. Uma mudança de paradigma energético produtivo. Acho que o eixo é este. Em função destes objetivos, você tem que ter outro tipo de orientação da economia, com mudanças no papel do Estado. Não significa maior tamanho do Estado na economia. Significa que a regulação política dos processos econômicos tem que avançar. É importante resgatar a capacidade reguladora do Estado sobre o sistema empresarial e articular políticas públicas com organizações da sociedade civil. É um processo mais horizontal, democrático, e descentralizado, onde os interesses da população estejam em primeiro lugar.

E como fazer isso?

Eu sempre uso o exemplo do programa de expansão da Coréia do Sul. São investimentos de US$ 36 bilhões em energia limpa. A expectativa é de que, com o programa, serão criados 960 mil empregos. O emprego tira as pessoas do desespero e gera mais recursos na base da sociedade. Ocorre um impacto social de igualdade. Por outro lado, com esse dinheiro, a população consome e não aplica na bolsa. Isso é um processo anticíclico. O dinheiro que vem por parte do governo, em vez de ir para a especulação, como fazem os bancos privados, está aplicado em investimentos necessários para o país. Ao mesmo tempo em que melhora a situação do meio ambiente e oferece um equilíbrio social, o programa protege a Coréia do Sul da crise ao gerar emprego, demanda de consumo e de equipamentos para esses investimentos.

Como o senhor vê a questão da redução dos juros e do spread bancário no Brasil?

Repare que nos jornais só aparece a discussão sobre a taxa Selic. Agora, e as taxas de juros cobradas pelo sistema ao tomador final? A média para pessoa jurídica é de 68%, para pessoa física 110%, cheque especial 166%, no cartão 220%. Estamos falando de um assalto. Eu acho que o papel dos bancos oficiais é introduzir mecanismos de mercado neste processo para oferecer crédito a custos decentes. Temos que lembrar que o banco tem uma função social, de acordo com a Constituição. Mesmo o banco privado é uma carta patente que o autoriza a trabalhar com o dinheiro do público. Não é dinheiro do banco. Então, ele tem que responder a certas exigências. Como ele tem forte controle sobre o próprio Banco Central, então, aqui o sistema financeiro ficou sem regulação efetiva. Instituições como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, BNDES, que já fazem isso há bastante tempo, devem buscar novas formas de democratização de acesso ao crédito. O Brasil tem um volume de crédito da ordem de 37% do PIB. Isso é muito baixo. O crédito é bom, o sujeito quer abrir uma marcenaria, então precisa do crédito, mas não pode ser com essa taxa de juros. O papel do banco é isso. Estimular o empreendedorismo.

Muitos analistas apostam que o mercado interno será o motor da economia nacional neste ano. O senhor concorda?

É como se o governo Lula estivesse se protegendo de antemão. Houve uma convergência do aumento da capacidade de compra do salário mínimo na faixa de 51% a 53%. Isso é gigantesco. Atinge 26 milhões de assalariados e 18 milhões de aposentados. Você teve também nos últimos anos uma expansão no emprego na ordem de 11 milhões de pessoas. Isso gerou demanda na base da sociedade. Vale ressaltar ainda o crescimento do crédito rural. O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] passou de R$ 2,5 bilhões para R$ 12,5 bilhões. Injeção de recursos no pequeno produtor rural, que representa 70% dos alimentos produzidos pelo País. Isso sem mencionar o Bolsa Família, responsável por tirar da miséria negra 50 milhões de pessoas. Este governo trabalha com cerca de 150 programas interministeriais. Isso gerou uma ampliação da demanda interna que casa com a crise da demanda externa. Veja o exemplo da carne. Com a crise no mercado externo, o setor está sendo obrigado a vender no mercado interno. Percebemos que tem muito mais carne nos açougues e os preços estão cada vez mais baixos. Houve uma reconversão. Parte do que era exportado, agora, está se voltando para o mercado interno.

O senhor disse em artigo recente que a crise é uma oportunidade para o Brasil. Por quê?

O grande problema do Brasil é a desigualdade social. Somos o segundo ou o terceiro pior país do mundo em termos de distribuição de renda. Quando o mercado externo está em crise, você é obrigado a se voltar para o mercado interno. Então, de repente, todas aquelas pessoas que falavam mal do Bolsa Família, agora acham o programa bom, pois ele gera mercado interno para os produtos que não estão sendo vendidos lá fora por causa da recessão. Ocorre uma convergência política de interesses na necessidade de fortalecer o mercado interno. Isso não é novo no Brasil. Nos anos 1930, com a crise de 1929, não dava para exportar café. E como não se exportava café, não havia divisas para importar todos os produtos. No mercado interno, ninguém sabia produzir esses bens. Então, os capitais, que estavam no café, vendo que o produto só dava perdas, fecharam as fazendas e saíram à procura de outras coisas para produzir. Esses capitais perceberam que já havia uma demanda preexistente de produtos que não estavam mais sendo importados. Por essa razão que os anos 1930 foram uma época de imensos avanços do aparelho produtivo brasileiro. O mecanismo é muito interessante e se for bem aproveitado, matamos três coelhos de uma vez.

De que maneira?

De um lado puxamos para cima nosso quarto mundo, que é a miséria do andar de baixo da economia. Depois reconvertemos os agroexportadores, que desmatam a Amazônia e contaminam os lençóis freáticos com agrotóxicos, com uma agricultura alimentar diversificada em um sistema de equilíbrio de longo prazo. Ao gerar esta dinâmica, estamos nos protegendo da crise. São políticas anticíclicas. Essa convergência que é o nó da oportunidade. Nas exposições que assisti do presidente Lula, dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), e até do Henrique Meirelles (presidente do Banco Central), a compreensão deste processo está clara. Este é um governo que tem uma linha de enfrentamento da crise.

Mesmo assim o setor exportador continuará em crise. Isso não é prejudicial?

O Brasil está numa situação particular. Temos, hoje, 13% da economia para a exportação. Isto é, o País não depende tanto assim da exportação. Além disso, diversificamos nossa pauta para diversos lugares do planeta. Atualmente, os Estados Unidos representam apenas 25% do nosso comércio exterior. Outro ponto extremamente importante é o crescimento das reservas internacionais do Brasil, que passaram de US$ 30 bilhões, em 2002, para cerca de US$ 200 bilhões. Isso equilibrou as relações externas. Agora, o setor exportador, é claro que está em crise. Primeiro, porque houve uma redução de demanda no nível internacional por conta da recessão. Segundo, porque com a crise financeira há muito menos acesso à credito de exportação. Exportação exige crédito. Essa dificuldade de comércio exterior vai se manter durante algum tempo, o que deve reforçar a idéia de reconversão em função do mercado interno.

Os emergentes não estão imunes à crise. Para o senhor, estes países podem ser transformar na locomotiva para a retomada do crescimento?

Eles podem constituir uma estratégia. Numa situação crítica de uns 30 anos atrás, o primeiro ministro da Alemanha Willy Brandt elaborou, na ocasião, um relatório chamado Norte-Sul. O documento dizia que a prosperidade no grupo dos países ricos da América do Norte, Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia não se sustenta sem a abertura de uma nova fronteira de atividade de mercado. Ou seja, o conjunto de terceiro mundo, essas 4 bilhões de pessoas que não têm acesso ao consumo diversificado representam uma imensa fronteira anticíclica de dinamização da atividade. Por este motivo que um dos últimos documentos do Banco Mundial se chama os próximos 4 bilhões. Eles estão estudando como atingir os quatro bilhões, dois terços do planeta, que estão fora do sistema. Isso, na verdade, já era proposto pelo Willy Brandt há uns 30 anos.O caminho é o mesmo trilhado pelos países desenvolvidos. No pós-guerra, eles entraram em fortes processos de redistribuição de renda. O amplo mercado interno viabilizou um conjunto de atividades que gerou a prosperidade. A idéia é reproduzir isso em nível mundial. Neste sentido, acho coerente que o conjunto do terceiro mundo se forme como um elemento dinamizador da economia mundial.

Qual sua opinião sobre a proposta da China de trocar o dólar por uma nova moeda de circulação mundial?

Faz parte de um conjunto de medidas que estavam em discussão na reunião do G-20 de Londres. Você não pode continuar a dar a uma única nação, os Estados Unidos, a possibilidade de ser a moeda mundial, que eles emitem quando querem. Isso explica porque os norteamericanos se endividaram de maneira tão prodigiosa nos níveis público, privado e externo. Eles estão à vontade, emitindo dólares. Este tipo de irresponsabilidade financeira da direita norteamericana em definir o poder não pode continuar. A crise expôs os riscos de fazer o uso de apenas uma moeda. No encontro G-20, os chefes de Estado decidiram triplicar o caixa do Fundo Monetário Internacional ao repassar US$ 750 bilhões para a instituição. Isso não entra somente como dólar. Entra como direitos especiais de saque que são baseados numa cesta de moedas. O momento delicado é o seguinte: a China maneja cerca de US$ 2 trilhões em reservas. Os americanos estão emitindo dinheiro adoidado para alimentar bancos. Quando você emite muito dinheiro, a tendência é o papel perder valor. A China não vai querer perder dinheiro. Houve uma saída de papéis podres para o dólar, que é melhor. Mas na medida em que os Estados Unidos aprofundam seu déficit, sustentando a General Motors e os bancos, você tem cada vez mais papéis, e quando você emite muito mais papéis do que a riqueza que você tem, esse papel apodrece.

Por que não se tentou essa substituição antes?

Porque a China estava preocupada em não perder suas reservas com a desvalorização do dólar se de fato ocorresse uma troca da moeda norteamericana. A proposta é estrutural de que o dólar entre como uma das moedas da cesta. Ninguém está interessado em quebrar o dólar, os Estados Unidos ou qualquer coisa do gênero. O que não se pode é deixar só com os Estados Unidos o uso irresponsável da capacidade de emitir dinheiro para o seu uso. A economia se globalizou, virou planetária, mas não temos um governo planetário. O resultado é essas reuniões de chefe de Estado a toda hora para procurar um caminho.

É possível imaginar como será o póscrise em termos de regulamentação de mercado?

As pessoas pensam que a economia é como o mar, que sobe e desce. Não é o mar. Nossa cabeça trabalha naturalmente por analogia. Ninguém disse que quando se desce vai subir. A saída da crise de 1929 foi uma guerra catastrófica para todo o planeta. Por isso que eu digo desde o começo: como ninguém sabe a profundidade da crise, quanto mais se aprofunda, mais os impactos são estruturais. Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB).

Essa seria a principal lição desta crise?

Acho que sim. Estamos como que acordando de uma farra tecnológica financeira. Temos 4 bilhões pessoas que estão fora do sistema e sabem disso. Não é à toa que em toda América Latina estão se elegendo governos vinculados às propostas sociais e de distribuição de renda. Mas, ao mesmo tempo, esse novo sistema tem que ser economicamente viável. Não acho que é uma estatização que vai ajudar, mas articulações entre empresas, sociedade civil e Estado, de maneira muito equilibrada. Os últimos 30 anos foram dominados por grandes corporações. Além disso, o PIB não constitui um instrumento adequado de contabilidade.

Por quê?

O PIB é um cálculo incorreto e não constitui uma bússola adequada. Você tem que colocar como objetivo não o aumento do PIB ou o lucro dos bancos, mas a qualidade de vida da população. O comportamento econômico não pode ser levado em conta sem interesses da população e a sustentabilidade ambiental. Como dizer que a economia vai bem se o povo vai mal? Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Justamente porque o PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se elas são nocivas para o meio ambiente. As limitações do PIB aparecem através de vários exemplos. Tanto assim que, quando você exporta petróleo, você diz que aumentou o PIB. Na verdade, o país está reduzindo seu capital. A expressão “produtores de petróleo” é interessante, já que nunca ninguém conseguiu produzir petróleo. Este é um estoque de bens naturais. Sua extração é positiva, mas temos que lembrar que estamos reduzindo cada vez mais o estoque de bens naturais que iremos entregar aos nossos filhos. Atualmente, São Paulo anda em primeira e segunda. Isso provoca gastos com o carro, gasolina, seguro, doenças respiratórias e o tempo perdido. Se você observar atentamente, os quatro primeiros itens aumentam o PIB. O último, contudo, não é contabilizado. Ou seja, aumenta o PIB, mas reduz-se a mobilidade. Na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno. Desta forma, quem joga lixo nos rios contribui para a produtividade do País, pois o Estado é obrigado a contratar empresas para fazer o desassoreamento da calha.

Há alternativas?

Sem dúvida. O PIB merece ser colocado no seu papel de ator coadjuvante. O objetivo é vivermos melhor. A economia é apenas um meio. O nosso avanço para uma vida melhor é que deve ser medido.

(IHU On-Line/Revista Desafios)

Fonte: Mercado Ético

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