domingo, 31 de maio de 2009

Mora na filosofia

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A água é um dos elementos que o filósofo australiano Peter Singer usa, em seu recente livro The Life You Can Save, para convencer cidadãos dos países ricos de que se pode acabar com a pobreza extrema no mundo. "Você tem uma garrafa d'água ou uma lata de refrigerante a seu lado enquanto lê?", pergunta. "Se você paga por algo para beber quando água potável sai da sua torneira, então tem dinheiro para gastar com coisas de que realmente não precisa. Ao redor do mundo, um bilhão de pessoas lutam para viver cada dia com menos do que você pagou por essa bebida." Adepto do utilitarismo - corrente segundo a qual a moralidade de uma ação é determinada por seu impacto no bem-estar de todas as pessoas ou de todos os seres capazes de sentir -, Singer é conhecido pelo livro Animal Liberation, considerado pedra fundamental do movimento pelos direitos dos animais. Mais recentemente embarcou em uma cruzada para "mudar a cultura da doação" e provar que, se todos fizerem um pouco, o resultado será positivo. No livro, Singer discorre sobre os motivos que levam as pessoas a não doar dinheiro - o fato de que os beneficiados estão longe, a possibilidade de que o dinheiro seja desperdiçado e a ideia de que uma pequena ação não é suficiente para exterminar um mal tão grande. Segundo ele, todas questões psicológicas que não abalam o argumento moral para doar. No website www.thelifeyoucansave.com, ele pede que seus leitores façam doações de acordo com sua renda anual.

Por Flavia Pardini


O senhor defende que as pessoas nos países desenvolvidos doem pelo menos 1% de sua renda a organizações que trabalham para acabar com a pobreza extrema no mundo. Por que doar dinheiro e não tempo ou esforços para melhorar a vida das pessoas?

Esta é uma questão relevante se falamos para os brasileiros, porque há brasileiros afluentes que vivem bem ao lado de pessoas que vivem na pobreza extrema. Mas, se estamos falando para os australianos ou os americanos, não é fácil de ver como eles poderiam doar tempo de maneira útil.

Poderiam doar tempo para ajudar a recolher dinheiro, mas não acho que seria uma boa ideia que todos os australianos ou americanos voassem para algum lugar onde há pessoas vivendo na pobreza extrema. Não seria bom para o clima e provavelmente não seria muito efetivo. Dinheiro é apenas uma maneira pela qual podemos ajudar.

Assim como há pessoas afluentes no Brasil que vivem perto da pobreza, os australianos vivem perto de comunidades aborígines muito pobres. É ético doar para organizações que ajudam os pobres ao redor do mundo quando há pessoas sofrendo tão perto?

Eu não conheço o Brasil bem o suficiente, mas todo mundo no Brasil tem acesso a serviços de saúde? Todo mundo no Brasil tem acesso a um mínimo de seguridade social? Todo mundo no Brasil tem a possibilidade de mandar suas crianças para a escola?

Não nego que haja problemas com as comunidades tradicionais australianas, mas acho que são diferentes, não são problemas que serão solucionados se dermos mais dinheiro. Há coisas na Austrália que podem ser feitas que requerem mais dinheiro, como melhorar os serviços sociais, mas acho que se trata de problemas, de certa maneira, muito mais difíceis.

O sistema econômico atual depende de que as pessoas consumam mais do que precisam, mas, enquanto isso, outras passam fome.

Há quem trabalhe para viabilizar alternativas a este sistema. Tal esforço é equivalente, em termos éticos, a doar dinheiro para organizações de caridade no sistema atual?

Pode ser, se você acredita que há esperança de que isso ofereça uma solução para a pobreza no mundo. Eu acho que esses esforços são muito pequenos e não tenho certeza de que aceito a premissa por trás da sua pergunta, sobre o sistema que criou a desigualdade. Não tenho certeza de que a desigualdade foi criada por um sistema, talvez ela tenha sido exacerbada por vários tipos de sistemas econômicos e políticos. Mas acredito que há muitos fatores que influenciam, e acho que ninguém sabe realmente como mudar o sistema de forma a reduzir ou eliminar a pobreza no mundo. Mas se há esperança de que se pode fazer isso, então, claro, é um bom trabalho a se fazer.

O economista John K. Galbraith, no prefácio do livro A Sociedade Afluente, escreveu que a pobreza é o estado "normal" do homem e que sociedades ricas são a exceção. Talvez por isso, boa parte dos economistas tende a focar na "criação de riqueza" em vez de na distribuição mais equitativa em economias mais pobres. Qual a sua visão?

Se soubéssemos como distribuir riqueza de forma que todos tivessem o suficiente, isso seria uma coisa boa a se fazer, mas parece que o sistema econômico mais produtivo que conhecemos é baseado na distribuição desigual e as tentativas para produzir uma distribuição mais equitativa não são muito bem-sucedidas em eliminar a pobreza. O que não quer dizer que não devam ser buscadas. Mas trata-se da diferença entre dizer "isso é algo que eu posso fazer para ajudar as pessoas que passam fome ou não têm acesso a serviços de saúde ou à educação", em vez de dizer "talvez eu possa mudar o sistema de distribuição de forma que todos se beneficiem". Isso é mais uma esperança do que um plano realista.

O importante são as consequências dos nossos atos, e quão rápido elas aconteçam?

Não quão rápido aconteçam, mas quão provável é que as consequências que queremos vão ocorrer.

Dar dinheiro a organizações de caridade é um ato individual. Tem o poder de mudar o estado de coisas - a pobreza crônica em algumas partes do mundo - provocado pela ação coletiva? Como?

Um indivíduo pode fazer a diferença para uma família, ou para uma vila, dependendo de quanto dinheiro tem. Mas muitos indivíduos podem fazer a diferença para muitas vilas, e, se uma quantidade suficiente de indivíduos está comprometida em trabalhar para a mudança, acho que pode acontecer. Muitas coisas funcionam dessa maneira, pode haver movimentos que se concentram em mudar as coisas, mas a mudança também tem que ser aceita na esfera individual.

O senhor está satisfeito com a resposta, até agora, ao pedido para que as pessoas se comprometam a doar um percentual de suas rendas - por meio de um website (no dia da entrevista, cerca de 500 pessoas haviam se comprometido)?

Uma vez que o website está funcionando há apenas três semanas e o livro só foi publicado na Austrália, sim, estou muito feliz. Mas, se dentro de um mês, quando o livro terá sido publicado nos Estados Unidos, este número não estiver nos milhares, não estarei tão feliz.

O senhor começa o livro dizendo que, se o leitor toma água engarrafada, paga por algo que não precisa, já que a água potável vem pela torneira. A água é um recurso comum compartilhado pelas sociedades em um mundo globalizado, assim como a atmosfera. Qual seria uma maneira justa de dividir tais recursos?

Bem, a atmosfera é diferente, porque é um recurso global. A água no Brasil é um recurso brasileiro e há água suficiente no Brasil, é uma questão de fazer a água potável chegar aos lugares certos, eu acho. Água é um tema que precisa ser enfrentado nacionalmente. Mas a atmosfera é um tema global e temos que trabalhar para produzir algo totalmente novo, um sistema que regule quanto da atmosfera cada nação pode usar quando emite gases de efeito estufa.

Como deve ser esse sistema? Países como o Brasil resistem em aceitar que devem cortar suas emissões...

...e com razão, uma vez que eles produzem muito menos gases de efeito estufa per capita do que os Estados Unidos ou a Austrália ou a Europa. O Brasil propôs o que considero o sistema certo, um sistema de partes per capita iguais, mas a proposta brasileira foi desviada para um inquérito e não sei o que ocorreu com ela [A proposta brasileira apresentada em 1997 durante as negociações que levaram ao Protocolo de Kyoto define metas de redução diferenciadas para cada país, de acordo com o impacto de suas emissões históricas no aumento da temperatura. A proposta foi encaminhada ao órgão assessor da Convenção do Clima para temas científicos, o SBSTA, que encerrou as discussões sobre o assunto em junho de 2008]. O princípio de partes per capita iguais é o correto, a chanceler (alemã) Angela Merkel disse que é o que precisamos fazer, ele tem conseguido alguma atenção dos líderes políticos.

Mas as chances de ser adotado parecem pequenas, pois colocaria os países ricos em uma situação difícil.

Muito difícil. Talvez se dermos tempo suficiente a eles. Merkel falou em 2050, mas é fácil dizer, pois até lá ela não será mais chanceler. A questão é qual pode ser um princípio justo e, a longo prazo, este parece ser o candidato óbvio, da mesma forma que "uma pessoa, um voto", é o candidato óbvio para resolver disputas sobre o poder político.

Quanto à água, alguns ativistas defendem que o acesso à água potável seja considerado um direito humano. Qual a sua opinião?

Eu tendo a não discutir as coisas em termos de direitos humanos. É um direito humano ou não é um direito humano... o que isso quer dizer? Como alguém pode defender o que é um direito humano e o que não é? Obviamente acesso a água potável é algo muito importante que todas as pessoas deveriam ter, e nós devemos fazer o melhor para garantir que todos tenham. Mas não acho que se deva debater se é ou não um direito humano. O que se consegue com isso?

Algumas pessoas acreditam que isso dificultaria a exploração comercial dos recursos hídricos, como, por exemplo, o envasamento de água para vender às pessoas afluentes e obter lucro, enquanto outras não têm o que beber.

O fato de que alguém obtém lucro ao vender alguma coisa não significa que as pessoas não tenham os direitos humanos sobre isso, não é? Há o direito humano para tudo, o direito humano à educação, por exemplo, mas isso significa que se deve proibir que as pessoas estabeleçam escolas que buscam o lucro? Eu acho que não. Acho que se deve permitir, mas também acho que cada governo deve fazer o seu melhor para garantir que toda criança possa ir à escola, assim como todos os governos devem fazer seu melhor para garantir que todos tenham acesso à água potável. Não me importa se, além disso, outras pessoas ganhem dinheiro vendendo a água que eles dizem vir de algum lugar especial, ou algo parecido.

Com uma população de quase 7 bilhões de pessoas que consomem 30% mais recursos do que o planeta pode repor...

...isso é controverso, obviamente.

Por quê?

Não é uma afirmação factual. O que quer dizer? Repor em que sentido?

Trata-se da Pegada Ecológica, que estima a área biologicamente produtiva necessária para regenerar os recursos consumidos pela população humana e absorver os dejetos produzidos.

É muito difícil medir, não acredito que haja uma prova científica sobre o quanto a Terra pode suportar. Algumas vezes usamos um recurso até o fim, mas o substituímos por outro. Há 30 anos as pessoas diziam "vamos ficar sem cobre". Passaram-se alguns anos e começamos a usar fibras óticas para fazer muitas das coisas para as quais usávamos o cobre, e não ficamos sem cobre.

A pergunta não era sobre a capacidade da Terra de repor recursos. Em um mundo com quase 7 bilhões de pessoas e um consumo considerável de recursos, é certo falar em controle de população?É algo que deveria ser discutido?

Com certeza deveria ser discutido.

Não por causa do consumo de recursos, porém?

Também por causa dos recursos. Não questiono que estamos causando muito dano à ecologia do planeta, apenas não vejo como especificar um número para isso. Mas certamente acho que devemos reduzir, e eventualmente estabilizar, o crescimento populacional.

Como fazer isso, uma vez que há resistência a até mesmo falar sobre o assunto em várias partes do mundo?

Em alguns países há resistência, em outros, não. Suponho que no Brasil haja uma influência substancial da Igreja Católica, e isso é sempre um problema. Eu acho que é preciso falar sobre este assunto, e, se isso significa criticar a Igreja Católica pela posição que ela tem, então é isso que você tem que fazer. Acho que a posição da Igreja Católica em relação à população é um escândalo. Não permitir o uso de camisinha nem mesmo para prevenir o HIV é quase um crime.

Mesmo onde a Igreja não é tão influente, pouco se ouve falar de controle da população. Na Austrália, o governo dá 5 mil dólares aos pais de cada criança nascida. Há debate suficiente hoje? Poderia haver mais. Havia muito nos anos 60, quando o tema foi até superexplorado. Alguns daqueles livros dramáticos como Population Bomb, de Paul Ehrlich, foram superpromovidos e, então, as pessoas disseram: "Oh, foi um erro", e o assunto morreu. Acho que certamente é hora de ressuscitá-lo, e, nos países com crescimento rápido da população, é urgente que seja discutido.

Ambientalistas e ativistas sociais enfrentam um dilema em relação ao aumento da prosperidade das classes baixas e médias nos países em desenvolvimento. De um lado, isso é muito bom, mas teme-se que mais consumo agrave a crise ambiental com efeitos negativos para todos. Como vê o problema?

Acho que é ótimo que as pessoas das classes mais baixas se tornem mais prósperas e sejam capazes de comprar as coisas de que elas e suas famílias precisam, mas nós temos que aprender a produzir estas coisas de maneira sustentável. É um problema em parte cultural -em termos do que as pessoas são incentivadas a pensar que precisam consumir - e em parte tecnológico- temos que desenvolver formas de produzir de modo sustentável algumas coisas que as pessoas vão querer.

O senhor escreveu que a globalização faz uma diferença importante para a nossa situação moral: não há mais justificativa para discriminação em termos geográficos. Alguns analistas temem que a atual crise econômica coloque a globalização em marcha a ré. Quais seriam as consequências?

O risco real é que isso inviabilize mercados para os países em que as pessoas são muito pobres e cuja melhor chance de sair da pobreza é produzir coisas para exportação. Esse foi o caminho que tirou centenas de milhares de pessoas da pobreza na China e na Índia, por exemplo, e até certo ponto no Brasil. Então, se isso para, é questionável se as pessoas terão outros caminhos para escapar da pobreza. Talvez elas consigam, não estou certo disso, mas teríamos que encontrar novas maneiras de dar-lhes alguma chance de sair da pobreza.

Trata-se de preservar uma fórmula que já conhecemos?

Sim, é isso, uma fórmula que tem seus problemas, sem dúvida, mas temos soluções melhores? Se tivermos soluções melhores, tudo bem.

O livre-mercado não existiria sem cooperação, mas alimenta-se de interesses egoístas. É possível dizer que os seres humanos têm apenas uma essência verdadeira - são cooperativos ou egoístas?

Tais características não se excluem mutuamente, pode ser que a cooperação seja a melhor maneira de alcançarmos nossos interesses. Acho que somos tanto cooperativos como egoístas, evoluímos para ter ambas as tendências. Se não tivéssemos tido um certo interesse em nossa própria sobrevivência e naquela de nossos filhos, teríamos desaparecido ao longo da história evolutiva. Mas certamente temos tendências inatas a cooperar com aqueles que se dispõem a cooperar conosco.

Recentemente uma revista americana perguntou a uma série de intelectuais se "o mercado livre corrói o caráter moral". Há uma resposta?

A resposta é sim, pode corroer em algumas circunstâncias, mas não é inevitável.

Foi o que aconteceu com a recente débâcle financeira?

Acho que o problema foi um sistema de incentivos que não combinava com um sistema de longo prazo, estável, benéfico. Você poderia dizer, sim, foi por causa dos incentivos oferecidos pelo mercado, mas não pode responsabilizar o mercado por criar interesses egoístas. Havia egoísmo muito antes que houvesse capitalismo.

O senhor disse que um dos objetivos ao argumentar que as pessoas devem doar dinheiro é "demonstrar que os seres humanos podem ser movidos por argumentos morais". Por quê?

Se os seres humanos não pudessem ser movidos por argumentos morais, você teria menos esperança de efetivar a mudança. Teria de recorrer ao poder ou à coerção para tornar as coisas melhores. Se fosse assim, seríamos do jeito que somos, de maneira inata, não sujeitos a considerações morais - e, se isso se aplicasse a todos, seria difícil ter qualquer otimismo sobre o futuro do planeta.

A mudança cultural necessária em relação à questão climática é justamente apelar para questões morais? Por exemplo, pense nas futuras gerações.

Exatamente, e é por isso que é realmente difícil. Porque você tem que pensar em um horizonte longo, tanto em termos do impacto que temos nas pessoas em outros países como no impacto que teremos nas pessoas que estarão aqui em 50 anos.

Nos dias de hoje - com uma superpopulação humana, que consome uma quantidade razoável de recursos, e a persistência da desigualdade no mundo - o que é levar uma vida ética?

É refletir no impacto do modo de vida que você leva sobre o resto do mundo - seres sensitivos em todo o mundo - e tentar viver de maneira que minimize o dano que você causa e maximize os benefícios que produz.

Fonte: Página 22

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Economia versus preservação

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por Danilo Pretti di Giorgi*

Os recentes ataques desferidos contra as leis ambientais no Brasil mostram que está, enfim, chegando a hora de enfrentarmos com seriedade e sem esquivas o dilema ‘crescimento econômico versus preservação do meio ambiente’.

Exemplos não faltam, mas o mais chocante vem de Santa Catarina, onde, ironicamente, o desrespeito às leis ambientais foi um dos maiores responsáveis pela tragédia das enchentes no ano passado. A Assembléia Legislativa catarinense aprovou em março um código estadual do meio ambiente que, entre outras coisas, reduz de 30 para cinco metros a área de proteção obrigatória das matas ciliares (vegetação que protege as margens dos rios, com função similar à de sobrancelhas e cílios para os nossos olhos). O tal código estabelece também que toda terra já cultivada no estado seja considerada "área consolidada", o que garante a continuidade de produção mesmo onde ela ocorre ilegalmente em regiões de preservação.

Curto e grosso assim, um exemplo seco de total desprezo pelas mínimas necessidades da vida selvagem em nome de uma aparentemente incontrolável necessidade de expansão da área cultivada. Um detalhe: o código é francamente inconstitucional, pois a legislação estadual não pode ser mais permissiva que a federal equivalente.

Em Brasília, estão tentando reduzir as reservas legais, as áreas que devem ser preservadas nas propriedades rurais (sendo que as porcentagens variam de uma região para outra do país) e há iniciativas para revogar decretos de proteção de dez milhões de hectares em unidades de conservação federais (uma área que corresponde a mais de duas vezes o estado do Rio de Janeiro).

A ofensiva, liderada por políticos da bancada ruralista, tenta também anular os efeitos de recentes iniciativas governamentais para frear o desmatamento, como o Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, que corta o crédito rural de fazendeiros que desmataram ilegalmente, e o decreto 6.514, que prevê sanções administrativas pelo descumprimento do Código Florestal.

Enquanto isso, nove reservas em diferentes pontos do país estão emperradas na Casa Civil esperando autorização, pois o Ministério das Minas e Energia tem interesse nas áreas. Já o Ministério do Meio Ambiente recebeu apenas mil dos três mil novos fiscais que pediu para lutar contra o desmatamento na Amazônia. E a intenção de criar a Guarda Florestal Nacional ficou só na intenção. A lista de ataques não pára por aí, e seria cansativo para o leitor se eu tentasse esgotá-la neste espaço.

Enquanto tudo isso acontece, assistimos, perplexos, ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, elogiar o exemplo catarinense e brincar de vidente ao "prever leis ambientais mais flexíveis no país". Stephanes também tem defendido crimes como a liberação da agricultura em topo de morros e encostas e quer que a compensação de áreas desmatadas ilegalmente possa ser realizada com reflorestamento em locais distantes, até mesmo em outros estados (algo tão absurdo quanto propor que você resolva o problema causado pelo buraco no telhado da sua casa consertando o telhado da casa do seu vizinho). O ministro podia perguntar aos catarinenses que tiveram parentes mortos e casas destruídas pelas enchentes o que acham das suas idéias.

Stephanes está na linha de frente da ofensiva, fazendo ameaças, como a previsão de que, caso não sofra modificações profundas, o Código Florestal inviabilizará "quatro milhões de hectares produtivos, quinze milhões de toneladas de produtos, além de provocar o desaparecimento de milhares de agricultores, propriedades e até de pequenos municípios".

Essa fala do nobre ministro esclarece, portanto, o que a maior parte dos ambientalistas prefere fingir que não vê: ao contrário do que ouvimos muito por aí, meio ambiente e crescimento econômico se chocam, sim, e não são naturalmente compatíveis. É preciso tirar de um para dar ao outro. E é preciso coragem para encarar um debate sobre esse fato, para que se possa questionar o paradigma da premência do crescimento econômico sem fim.

Quando a discussão acerca da questão ambiental se acentua, os defensores da teoria furada do crescimento eterno usam em sua defesa os argumentos da ameaça ao crescimento econômico, aos empregos, à saúde da economia. É neste ponto que os ambientalistas costumam recuar, afirmando ser possível aliar crescimento econômico e preservação, discurso sempre presente na mídia de massa e nos bolsos dos coletes do ministro Minc.

É claro que poderíamos adiar este embate se a elite brasileira não fosse tão pré-histórica em suas práticas nem tão cega para qualquer coisa que não signifique o lucro imediato, com o menor esforço possível e a qualquer preço. Se empresários e ruralistas aceitassem a possibilidade de uma margem de lucro um pouco menor, o choque entre preservação e crescimento da economia poderia ser empurrado para frente, para daqui a dez ou quinze anos, caso houvesse, por exemplo, real interesse na recuperação dos tais 60 milhões de hectares em áreas degradadas, ao invés de desmatar novas áreas. Ou se aplicássemos técnicas para melhor aproveitamento das áreas produtivas. Ou ainda se buscássemos seriamente alternativas para aproveitamento econômico da floresta com atividades verdadeiramente sustentáveis. Ou se pensássemos na agricultura em termos mais amplos, com olhos voltados para todos os tamanhos de propriedades e para a diversificação e não só nas grandes propriedades monocultoras. Ou talvez se enxergássemos a função social da propriedade, tal qual manda a Constituição.

Mas nada disso é mais rentável que simplesmente derrubar mata virgem e tocar fogo, e esse fato singelo faz a conversa terminar por aí quando falamos de capitalismo brasileiro. Mesmo na hipótese da aplicação de opções como as descritas acima, depois de certo tempo o embate entre crescimento econômico e preservação voltará à tona. Não há como fugir disso. Enquanto não tivermos coragem de enfrentar seriamente essa verdade continuaremos a ser presas fáceis daqueles que se aproveitam das brechas nas nossas argumentações para enriquecerem às custas da natureza.

Não é possível que toda vez que alguém fale em "ameaça ao crescimento econômico" os ambientalistas corram para apagar o fogo e tentar apaziguar, apegando-se ao discurso oficial, amparado em grande parte pela sede das grandes ONGs ambientalistas por patrocínios polpudos. É preciso, ao invés disso, que cada um mostre realmente de que lado está, comprando a briga e aprofundando este debate, sem medo de suas conseqüências.

*Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

E-mail: digiorgi@gmail.com

Fonte: Correio da Cidadania

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terça-feira, 26 de maio de 2009

“Grandes produtores aterrorizam pequenos”

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por Henrique Andrade Camargo, do Mercado Ético

Nada parece mais óbvio nesse momento de mudança climática do que preservar o ambiente, certo? Errado. Pelo menos para a bancada ruralista e os grandes produtores rurais do país, que lutam para afrouxar as leis ambientais no país. A revelação foi feita pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, durante encontro de ambientalistas realizado no sábado (23/5), no parque do Ibirapuera.

“Vivemos um momento político muito delicado. Os grandes produtores querem usar a desinformação para aterrorizar os pequenos, que dependem da agricultura familiar para sobreviver”, denuncia o ministro. “Querem passar o cerol decreto de lei [n° 11428], o que vai causar mais desmatamento e despejar toneladas de agrotóxicos no solo”, completa.

O ministro também atacou os parlamentares que formam a bancada ambientalista no Congresso Nacional. Ele diz que dos 240 políticos que se intitulam como tal, salvam-se no máximo 30. “Na hora de aprovar projetos para proteger o meio ambiente, a grande maioria vota com os ruralistas”, ataca ele, pedindo para membros de Organizações Não-Governamentais aumentarem as pressões no poder público para que impeçam a progressão do desflorestamento.

ABC da lei ambiental

A informação também será uma arma do ministério para lutar contra o terror dos grandes produtores. Uma cartilha abordando os principais pontos da Lei e Decreto da Mata Atlântica será distribuída em 3.411 municípios dos 17 estados abraçados pela Matas Atlântica. A publicação vai destacar os possíveis uso da floresta, bem como as formas como devem ser feitas.

“A legislação prevê vários tipos de ocupação e exploração econômica possíveis na floresta, mas quase ninguém sabe disso. Os ruralistas estão inventando que vamos derrubar as macieiras e as parreiras das encostas, que vamos expulsar famílias de agricultores e outras barbaridades. Com isso, estão conseguindo apoio para defender seus interesses particulares. Vamos mostrar que a legislação protege os interesses maiores do país e defende os pequenos produtores “, conclui Minc.

Fundo para a Mata Atlântica

O ministro anunciou no encontro a criação de um fundo de 34 milhões de dólares para a Mata Atlântica. O dinheiro virá de uma dívida do Brasil com os Estados Unidos, que será convertida em investimentos ambientais. Ele explica que esse fundo funcionará como o Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), considerado o maior programa para a conservação de florestas tropicais do mundo.

Fonte: Mercado Ético

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“O PIB precisa ser colocado no seu papel de coadjuvante”

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“Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB)”. A opinião é do professor Ladislaw Dowbor, do Programa de Pós Graduação em Administração da PUC-SP em entrevista a revista Desafios do IPEA, do mês de maio 2009.

O professor critica severamente a metodologia do PIB. Segundo ele, “na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno”.

Eis a entrevista.

A crise financeira internacional pode afetar a crença nas leis de mercado e no próprio sistema capitalista na mesma proporção em que a queda do muro de Berlim determinou os destinos do comunismo?

Há tantas refutações de que o mercado não funciona que é duvidoso. Ele simplesmente é necessário. Eu trabalhei na Polônia no âmbito da economia socialista. Havia mecanismos de mercado amplamente utilizados. Não estou falando do mercado no processo de concorrência entre uma série de produtores e pessoas que trocam valores com outros, permitindo a divisão de trabalho na sociedade. Isso é valioso e deve ser guardado. O que se confundiu foi o mecanismo de mercado com a regulação geral da sociedade.

Como assim?

O mecanismo de mercado protege para as trocas. Não protege o que produzimos, para quem e sobre quais custos tanto para a natureza quanto para a sociedade. Portanto, o que está acontecendo é que o mercado está perdendo sua capacidade reguladora na sociedade. O sistema de bancos no Brasil é essencialmente carteirizado. Na Inglaterra, o crédito pessoal no HSBC é de 6%, enquanto aqui passa de 60%. Se houvesse mecanismos de mercado, as pessoas iriam buscar capital lá ou aplicariam aqui. Ou seja, nas áreas carteirizadas, que pertencem às grandes corporações, deixou de funcionar o mercado.

O que fazer então?

É preciso ter sistemas de regulação equilibrados entre os intermediários financeiros, bancos centrais, governos e as organizações de usuários. O mercado não resolve tudo sozinho. Veja, por exemplo, o caso de grupos como as Casas Bahia, que trabalham frequentemente com taxas de juros de 100%. Uma pessoa de baixa renda paga o dobro do valor de um produto. Isso é extorsivo e se baseia na manutenção da desigualdade de renda, que força as pessoas sem dinheiro vivo a pagar em pequenas prestações o dobro do que pagaria uma pessoa com mais recursos. Existe um mecanismo financeiro de concentração de renda. São áreas comerciais que passaram, ainda que de forma não declarada, a ter uma atuação financeira. Assim, o acesso aos recursos e a distribuição equilibrada na sociedade está cada vez menos regulada com mecanismos de mercado. Além disso, o mercado é nocivo na exploração de bens naturais.

Como?

Basta observar o caso da pesca oceânica. Com o GPS e as novas tecnologias, se torna possível extrair o volume de peixes desejado. Virou um matadouro. E quanto mais avança a tecnologia, mais barato é capturar o peixe. No entanto, à medida que os peixes vão se esgotando, os preços sobem. O problema da água também está se tornando crítico para a humanidade. Com sistemas modernos se tornou viável bombear enormes quantidades de lençóis freáticos subterrâneos que se acumulam durante séculos. O processo funciona com extrema rapidez. Isso gera grandes fortunas para determinados grupos, que não arcaram com custos da sua produção. Por outro lado, liquida, a base de água e não gera emprego. Esse eixo é simplesmente destrutivo para as áreas de recursos limitados. Então, o mercado não tem capacidade para regular áreas que envolvem recursos naturais. Com a crise financeira internacional, há muitos especuladores à procura desesperada de onde aplicar seus recursos. Eles querem comprar imensas áreas de solo no Brasil de olho na pressão alimentar e na oportunidade de lucros com os bicombustíveis.

O governo brasileiro acertou então ao criar uma moratória de compra e venda de terras em áreas onde a água deveria ser canalizada?

Sim. Caso contrário você teria europeus, americanos e grupos de São Paulo comprando todas aquelas terras para revender ou aproveitar os seus eventuais benefícios. A capacidade reguladora do mercado se perdeu no momento em que cresce a pressão por recursos naturais, aumenta a população mundial, o nível de consumo e na medida em que se formam grandes conglomerados planetários. Isso já não é mercado. São sistemas de poder de grupos privados que exercem poder político sem serem eleitos. Por isso defendo que o mecanismo econômico tem de ser democratizado.

Qual sua avaliação sobre a declaração final do encontro do G-20 realizado em Londres no mês passado?

Tivemos um encontro do G-20 em novembro e, outro mais recente, em Londres. Não há uma diferença substantiva entre os dois. São declarações de intenções que se destinam basicamente a apaziguar a tensão, uma vez que centenas ou milhões de aposentados perderam sua aposentadoria e há um número crescente de desempregados. A tensão em torno destes problemas se tornou imensa. A declaração do G-20 de Londres é positiva em algum sentido. Primeiro porque se expandiu o número de países que participam do processo político. Tem um lado um pouco sem vergonha nisso porque quando as potências prosperavam era G-7. Quando estourou a crise, eles foram buscar sócios. De qualquer maneira, os 29 pontos da declaração são grandes princípios, além de positivos, sobretudo no que se refere ao meio ambiente, maior controle sobre o sistema financeiro, fim do protecionismo, mais poder ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e um aumento na participação de diversos países nas várias instituições internacionais.

O que poderia ter sido aprimorado?

Quase ninguém reparou que há um anexo de medidas financeiras na declaração de Londres, que foi feito rigorosamente por gente do chamado mercado financeiro. Por exemplo, as compensações para diretores e acionistas será responsabilidade deles próprios. Ou seja, não haverá nenhuma instituição para fiscalizá-los.

O senhor acredita que as propostas serão implementadas?

As propostas de arquitetura financeira mundial contidas nos acordos de Bretton Woods foram trabalhadas durante dois anos até a sua implementação. Eu, particularmente, estou cético e realista neste aspecto. Estamos começando um processo. Você não faz isso em três ou seis meses. Além disso, tudo vai depender da profundidade da crise, que ainda é completamente incerta. Ninguém sabe, nem mesmo o pessoal que criou esta crise. Mudanças mais profundas no sistema dependem da intensidade da crise. Se amanhã tudo voltar à normalidade, os especuladores, que criaram o problema, vão tentar manter as coisas como estão, esperando pela próxima crise. Isso já ocorreu antes com as crises na década de 1990. Estamos num limbo de regulação que é extremamente perigoso.

A dívida pública dos Estados Unidos ultrapassou o teto dos US$ 10 trilhões. As injeções de recursos no sistema financeiro pelo governo do presidente Barack Obama surtiram efeito?

Injetar dinheiro nos intermediários financeiros foi a primeira reação. Os bancos estão quebrando. Portanto, você coloca dinheiro para não quebrar. Contudo, a economia real começa a quebrar por falta de crédito. O que eles fizeram então? Injetaram mais dinheiro nos bancos, pensando que com mais liquidez eles passariam a oferecer crédito. Isso não aconteceu. No caso dos Estados Unidos, os bancos maiores estão comprando os pequenos para reforçar oligopólios. Há uma dimensão profundamente golpista neste sentido. Afinal, eles não querem mercado. No caso brasileiro, os cerca de R$ 100 bilhões que foram transferidos para os bancos via redução do compulsório e outros mecanismos, em vez de se transformarem em crédito para dinamizar a economia, estão sendo utilizados na compra de títulos do governo para depois serem remunerados pela taxa Selic. Ou seja, o sistema financeiro não está fazendo o seu papel de financiar a economia. Um papel, aliás, que está na Constituição.

O papel do Estado na economia deve ser rediscutido?

Estamos constatando a necessidade de fazer funcionar a economia com o interesse de uma sociedade socialmente equilibrada e com políticas ambientais que não destruam o planeta. Uma mudança de paradigma energético produtivo. Acho que o eixo é este. Em função destes objetivos, você tem que ter outro tipo de orientação da economia, com mudanças no papel do Estado. Não significa maior tamanho do Estado na economia. Significa que a regulação política dos processos econômicos tem que avançar. É importante resgatar a capacidade reguladora do Estado sobre o sistema empresarial e articular políticas públicas com organizações da sociedade civil. É um processo mais horizontal, democrático, e descentralizado, onde os interesses da população estejam em primeiro lugar.

E como fazer isso?

Eu sempre uso o exemplo do programa de expansão da Coréia do Sul. São investimentos de US$ 36 bilhões em energia limpa. A expectativa é de que, com o programa, serão criados 960 mil empregos. O emprego tira as pessoas do desespero e gera mais recursos na base da sociedade. Ocorre um impacto social de igualdade. Por outro lado, com esse dinheiro, a população consome e não aplica na bolsa. Isso é um processo anticíclico. O dinheiro que vem por parte do governo, em vez de ir para a especulação, como fazem os bancos privados, está aplicado em investimentos necessários para o país. Ao mesmo tempo em que melhora a situação do meio ambiente e oferece um equilíbrio social, o programa protege a Coréia do Sul da crise ao gerar emprego, demanda de consumo e de equipamentos para esses investimentos.

Como o senhor vê a questão da redução dos juros e do spread bancário no Brasil?

Repare que nos jornais só aparece a discussão sobre a taxa Selic. Agora, e as taxas de juros cobradas pelo sistema ao tomador final? A média para pessoa jurídica é de 68%, para pessoa física 110%, cheque especial 166%, no cartão 220%. Estamos falando de um assalto. Eu acho que o papel dos bancos oficiais é introduzir mecanismos de mercado neste processo para oferecer crédito a custos decentes. Temos que lembrar que o banco tem uma função social, de acordo com a Constituição. Mesmo o banco privado é uma carta patente que o autoriza a trabalhar com o dinheiro do público. Não é dinheiro do banco. Então, ele tem que responder a certas exigências. Como ele tem forte controle sobre o próprio Banco Central, então, aqui o sistema financeiro ficou sem regulação efetiva. Instituições como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, BNDES, que já fazem isso há bastante tempo, devem buscar novas formas de democratização de acesso ao crédito. O Brasil tem um volume de crédito da ordem de 37% do PIB. Isso é muito baixo. O crédito é bom, o sujeito quer abrir uma marcenaria, então precisa do crédito, mas não pode ser com essa taxa de juros. O papel do banco é isso. Estimular o empreendedorismo.

Muitos analistas apostam que o mercado interno será o motor da economia nacional neste ano. O senhor concorda?

É como se o governo Lula estivesse se protegendo de antemão. Houve uma convergência do aumento da capacidade de compra do salário mínimo na faixa de 51% a 53%. Isso é gigantesco. Atinge 26 milhões de assalariados e 18 milhões de aposentados. Você teve também nos últimos anos uma expansão no emprego na ordem de 11 milhões de pessoas. Isso gerou demanda na base da sociedade. Vale ressaltar ainda o crescimento do crédito rural. O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] passou de R$ 2,5 bilhões para R$ 12,5 bilhões. Injeção de recursos no pequeno produtor rural, que representa 70% dos alimentos produzidos pelo País. Isso sem mencionar o Bolsa Família, responsável por tirar da miséria negra 50 milhões de pessoas. Este governo trabalha com cerca de 150 programas interministeriais. Isso gerou uma ampliação da demanda interna que casa com a crise da demanda externa. Veja o exemplo da carne. Com a crise no mercado externo, o setor está sendo obrigado a vender no mercado interno. Percebemos que tem muito mais carne nos açougues e os preços estão cada vez mais baixos. Houve uma reconversão. Parte do que era exportado, agora, está se voltando para o mercado interno.

O senhor disse em artigo recente que a crise é uma oportunidade para o Brasil. Por quê?

O grande problema do Brasil é a desigualdade social. Somos o segundo ou o terceiro pior país do mundo em termos de distribuição de renda. Quando o mercado externo está em crise, você é obrigado a se voltar para o mercado interno. Então, de repente, todas aquelas pessoas que falavam mal do Bolsa Família, agora acham o programa bom, pois ele gera mercado interno para os produtos que não estão sendo vendidos lá fora por causa da recessão. Ocorre uma convergência política de interesses na necessidade de fortalecer o mercado interno. Isso não é novo no Brasil. Nos anos 1930, com a crise de 1929, não dava para exportar café. E como não se exportava café, não havia divisas para importar todos os produtos. No mercado interno, ninguém sabia produzir esses bens. Então, os capitais, que estavam no café, vendo que o produto só dava perdas, fecharam as fazendas e saíram à procura de outras coisas para produzir. Esses capitais perceberam que já havia uma demanda preexistente de produtos que não estavam mais sendo importados. Por essa razão que os anos 1930 foram uma época de imensos avanços do aparelho produtivo brasileiro. O mecanismo é muito interessante e se for bem aproveitado, matamos três coelhos de uma vez.

De que maneira?

De um lado puxamos para cima nosso quarto mundo, que é a miséria do andar de baixo da economia. Depois reconvertemos os agroexportadores, que desmatam a Amazônia e contaminam os lençóis freáticos com agrotóxicos, com uma agricultura alimentar diversificada em um sistema de equilíbrio de longo prazo. Ao gerar esta dinâmica, estamos nos protegendo da crise. São políticas anticíclicas. Essa convergência que é o nó da oportunidade. Nas exposições que assisti do presidente Lula, dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), e até do Henrique Meirelles (presidente do Banco Central), a compreensão deste processo está clara. Este é um governo que tem uma linha de enfrentamento da crise.

Mesmo assim o setor exportador continuará em crise. Isso não é prejudicial?

O Brasil está numa situação particular. Temos, hoje, 13% da economia para a exportação. Isto é, o País não depende tanto assim da exportação. Além disso, diversificamos nossa pauta para diversos lugares do planeta. Atualmente, os Estados Unidos representam apenas 25% do nosso comércio exterior. Outro ponto extremamente importante é o crescimento das reservas internacionais do Brasil, que passaram de US$ 30 bilhões, em 2002, para cerca de US$ 200 bilhões. Isso equilibrou as relações externas. Agora, o setor exportador, é claro que está em crise. Primeiro, porque houve uma redução de demanda no nível internacional por conta da recessão. Segundo, porque com a crise financeira há muito menos acesso à credito de exportação. Exportação exige crédito. Essa dificuldade de comércio exterior vai se manter durante algum tempo, o que deve reforçar a idéia de reconversão em função do mercado interno.

Os emergentes não estão imunes à crise. Para o senhor, estes países podem ser transformar na locomotiva para a retomada do crescimento?

Eles podem constituir uma estratégia. Numa situação crítica de uns 30 anos atrás, o primeiro ministro da Alemanha Willy Brandt elaborou, na ocasião, um relatório chamado Norte-Sul. O documento dizia que a prosperidade no grupo dos países ricos da América do Norte, Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia não se sustenta sem a abertura de uma nova fronteira de atividade de mercado. Ou seja, o conjunto de terceiro mundo, essas 4 bilhões de pessoas que não têm acesso ao consumo diversificado representam uma imensa fronteira anticíclica de dinamização da atividade. Por este motivo que um dos últimos documentos do Banco Mundial se chama os próximos 4 bilhões. Eles estão estudando como atingir os quatro bilhões, dois terços do planeta, que estão fora do sistema. Isso, na verdade, já era proposto pelo Willy Brandt há uns 30 anos.O caminho é o mesmo trilhado pelos países desenvolvidos. No pós-guerra, eles entraram em fortes processos de redistribuição de renda. O amplo mercado interno viabilizou um conjunto de atividades que gerou a prosperidade. A idéia é reproduzir isso em nível mundial. Neste sentido, acho coerente que o conjunto do terceiro mundo se forme como um elemento dinamizador da economia mundial.

Qual sua opinião sobre a proposta da China de trocar o dólar por uma nova moeda de circulação mundial?

Faz parte de um conjunto de medidas que estavam em discussão na reunião do G-20 de Londres. Você não pode continuar a dar a uma única nação, os Estados Unidos, a possibilidade de ser a moeda mundial, que eles emitem quando querem. Isso explica porque os norteamericanos se endividaram de maneira tão prodigiosa nos níveis público, privado e externo. Eles estão à vontade, emitindo dólares. Este tipo de irresponsabilidade financeira da direita norteamericana em definir o poder não pode continuar. A crise expôs os riscos de fazer o uso de apenas uma moeda. No encontro G-20, os chefes de Estado decidiram triplicar o caixa do Fundo Monetário Internacional ao repassar US$ 750 bilhões para a instituição. Isso não entra somente como dólar. Entra como direitos especiais de saque que são baseados numa cesta de moedas. O momento delicado é o seguinte: a China maneja cerca de US$ 2 trilhões em reservas. Os americanos estão emitindo dinheiro adoidado para alimentar bancos. Quando você emite muito dinheiro, a tendência é o papel perder valor. A China não vai querer perder dinheiro. Houve uma saída de papéis podres para o dólar, que é melhor. Mas na medida em que os Estados Unidos aprofundam seu déficit, sustentando a General Motors e os bancos, você tem cada vez mais papéis, e quando você emite muito mais papéis do que a riqueza que você tem, esse papel apodrece.

Por que não se tentou essa substituição antes?

Porque a China estava preocupada em não perder suas reservas com a desvalorização do dólar se de fato ocorresse uma troca da moeda norteamericana. A proposta é estrutural de que o dólar entre como uma das moedas da cesta. Ninguém está interessado em quebrar o dólar, os Estados Unidos ou qualquer coisa do gênero. O que não se pode é deixar só com os Estados Unidos o uso irresponsável da capacidade de emitir dinheiro para o seu uso. A economia se globalizou, virou planetária, mas não temos um governo planetário. O resultado é essas reuniões de chefe de Estado a toda hora para procurar um caminho.

É possível imaginar como será o póscrise em termos de regulamentação de mercado?

As pessoas pensam que a economia é como o mar, que sobe e desce. Não é o mar. Nossa cabeça trabalha naturalmente por analogia. Ninguém disse que quando se desce vai subir. A saída da crise de 1929 foi uma guerra catastrófica para todo o planeta. Por isso que eu digo desde o começo: como ninguém sabe a profundidade da crise, quanto mais se aprofunda, mais os impactos são estruturais. Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB).

Essa seria a principal lição desta crise?

Acho que sim. Estamos como que acordando de uma farra tecnológica financeira. Temos 4 bilhões pessoas que estão fora do sistema e sabem disso. Não é à toa que em toda América Latina estão se elegendo governos vinculados às propostas sociais e de distribuição de renda. Mas, ao mesmo tempo, esse novo sistema tem que ser economicamente viável. Não acho que é uma estatização que vai ajudar, mas articulações entre empresas, sociedade civil e Estado, de maneira muito equilibrada. Os últimos 30 anos foram dominados por grandes corporações. Além disso, o PIB não constitui um instrumento adequado de contabilidade.

Por quê?

O PIB é um cálculo incorreto e não constitui uma bússola adequada. Você tem que colocar como objetivo não o aumento do PIB ou o lucro dos bancos, mas a qualidade de vida da população. O comportamento econômico não pode ser levado em conta sem interesses da população e a sustentabilidade ambiental. Como dizer que a economia vai bem se o povo vai mal? Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Justamente porque o PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se elas são nocivas para o meio ambiente. As limitações do PIB aparecem através de vários exemplos. Tanto assim que, quando você exporta petróleo, você diz que aumentou o PIB. Na verdade, o país está reduzindo seu capital. A expressão “produtores de petróleo” é interessante, já que nunca ninguém conseguiu produzir petróleo. Este é um estoque de bens naturais. Sua extração é positiva, mas temos que lembrar que estamos reduzindo cada vez mais o estoque de bens naturais que iremos entregar aos nossos filhos. Atualmente, São Paulo anda em primeira e segunda. Isso provoca gastos com o carro, gasolina, seguro, doenças respiratórias e o tempo perdido. Se você observar atentamente, os quatro primeiros itens aumentam o PIB. O último, contudo, não é contabilizado. Ou seja, aumenta o PIB, mas reduz-se a mobilidade. Na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno. Desta forma, quem joga lixo nos rios contribui para a produtividade do País, pois o Estado é obrigado a contratar empresas para fazer o desassoreamento da calha.

Há alternativas?

Sem dúvida. O PIB merece ser colocado no seu papel de ator coadjuvante. O objetivo é vivermos melhor. A economia é apenas um meio. O nosso avanço para uma vida melhor é que deve ser medido.

(IHU On-Line/Revista Desafios)

Fonte: Mercado Ético

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CONSUMO, LOGO EXISTO

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CONSUMO, LOGO EXISTO.

por Frei Betto

Ao visitar em agosto a admirável obra social de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças. “Quem trouxe a fome foi a geladeira”, disse. O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc.

A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da população, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.

É próprio do humano – e nisso também nos diferenciamos dos animais – manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade, e a cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido litúrgico.

A ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia: sentar à mesa coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos com esmero e, sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais. Trata-se de um ritual que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela.

Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos Manuscritos econômicos e filosóficos (1844), ele constata que “o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós”. O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da exclusão.

Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas, tem alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho guardado na adega, uma jóia?

Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife. Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A roupa pode ser a mais horrorosa possível, porém se traz a assinatura de um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em cinderela…

Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder. Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura, um espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade.

Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna também objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela mas não é ela: bens, cifrões, cargos etc.

Comércio deriva de “com mercê”, com troca. Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas pessoas. Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia, criavam vínculos entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o espaço das relações de vizinhança, como ainda ocorre na feira.

Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de convívio é compensada pelo consumo supérfluo. “Nada poderia ser maior que a sedução“ – diz Jean Baudrillard – ”nem mesmo a ordem que a destrói.“ E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet. Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.

Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam indagando se necessito algo. “Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático”, respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês, respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz”.
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Frei Betto é escritor, autor de Típicos tipos – perfis literários (A Girafa), entre outros livros.

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segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um Oceano de plástico

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Durabilidade, estabilidade e resistência a desintegração. As propriedades que fazem do plástico um dos produtos com maiores aplicações e utilidades ao consumidor final, também o tornam um dos maiores vilões ambientais. São produzidos anualmente cerca de 100 milhões de toneladas de plástico e cerca de 10% deste total acabam nos oceanos, sendo que 80% desta fração vem de terra firme.



Foto do vórtex

No oceano pacífico há uma enorme camada flutuante de plástico, que já é considerada a maior concentração de lixo do mundo, com cerca de 1000 km de extensão, vai da costa da Califórnia, atravessa o Havaí e chega a meio caminho do Japão e atinge uma profundidade de mais ou menos 10 metros . Acredita-se que haja neste vórtex de lixo cerca de 100 milhões de toneladas de plásticos de todos os tipos.
Pedaços de redes, garrafas, tampas, bolas , bonecas, patos de borracha, tênis, isqueiros, sacolas plásticas, caiaques, malas e todo exemplar possível de ser feito com plástico. Segundo seus descobridores, a mancha de lixo, ou sopa plástica tem quase duas vezes o tamanho dos Estados Unidos.



Ocean Plastic

O oceanógrafo Curtis Ebbesmeyer, que pesquisa esta mancha há 15 anos compara este vórtex a uma entidade viva, um grande animal se movimentando livremente pelo pacifico. E quando passa perto do continente, você tem praias cobertas de lixo plástico de ponta a ponta.


tartaruga deformada por aro plástico


A bolha plástica atualmente está em duas grandes áreas ligadas por uma parte estreita. Referem-se a elas como bolha oriental e bolha ocidental. Um marinheiro que navegou pela área no final dos anos 90 disse que ficou atordoado com a visão do oceano de lixo plástico a sua frente. ‘Como foi possível fazermos isso?’ – ‘Naveguei por mais de uma semana sobre todo esse lixo’.
Pesquisadores alertam para o fato de que toda peça plástica que foi manufaturada desde que descobrimos este material, e que não foram recicladas, ainda estão em algum lugar. E ainda há o problema das partículas decompostas deste plástico. Segundo dados de
Curtis Ebbesmeyer, em algumas áreas do oceano pacifico podem se encontrar uma concentração de polímeros de até seis vezes mais do que o fitoplâncton, base da cadeia alimentar marinha.


Todas a peças plásticas à direita foram tiradas do estômago desta ave

Segundo PNUMA, o programa das nações unidas para o meio ambiente, este plástico é responsável pela morte de mais de um milhão de aves marinha todos os anos. Sem contar toda a outra fauna que vive nesta área, como tartarugas marinhas, tubarões, e centenas de espécies de peixes.
E para piorar essa sopa plástica pode funcionar como uma esponja, que concentraria todo tipo de poluentes persistentes, ou seja, qualquer animal que se alimentar nestas regiões estará ingerindo altos índices de venenos, que podem ser introduzidos, através da pesca, na cadeia alimentar humana, fechando-se o ciclo, na mais pura verdade de que o que fazemos à terra retorna à nós, seres humanos.

Fontes:
The Independent, Greenpeace e Mindfully

Ver essas coisas sempre servem para que nós repensemos nossos valores e pricipalmente nosso papel frente ao meio ambiente, ou o ambiente em que vivemos.


Antes de Reciclar, reduza!

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