domingo, 1 de agosto de 2010

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A HISTÓRIA DOS COSMÉTICOS






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quarta-feira, 7 de abril de 2010

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NOVA TERRA FESTIVAL

Nos dias 01 e 02 de maio acontece no Rio de Janeiro o Nova Terra Festival, um encontro que equilibra conscientização e entretenimento e aonde especialistas nacionais e internacionais de diferentes áreas se reunirão para debates, palestras, workshops, terapias holísticas, práticas coletivas e exposições de vídeo e foto. O evento tem por objetivo discutir as questões ambientais, os rumos do planeta e também apresentar rituais sagrados, shows e DJs nos dois dias.

O Nova Terra acontece no Sítio das Pedras, em Vargem Pequena. No local será instalada uma área para a prática da acupuntura, reiki, massagem ayurvédica, cura prânica entre outras terapias já inclusas no valor do ingresso. Um centro gastronômico oferece opções de alimentos e bebidas naturais, o que exclui as de teor alcoólico. Feira de sementes livres de transgênicos, um centro de cultura indígena com povos da floresta amazônica, teatro e cinema de conscientização - com destaque para a exibição do inédito filme "2012 - Time for a Change", de João Amorim - complementam as atividades que serão exercidas no final de semana. Para cada dia de evento haverá um ritual específico: no primeiro dia um ritual xamãnico, com lideranças indígenas da América do Norte e do Sul, e no segundo dia um ritual pela paz mundial, guiado por um líder Sufi (Gil Rom Shama) que trabalha pela paz entre os povos há mais de 30 anos. A área ainda oferece condições para camping e hospedagem para quem vem de outras cidades e países.

As palestras, sempre de 10h ás 19h, serão administradas por nomes como Ben Stewart, americano criador do Esoteric Agenda e Kymatica; o astrólogo Antônio Carlos Bola Harres; Siã - cacique Kaxinawã ganhador do prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente; André Rivoola da ONG Floresta Brasil; o escritor Kaanda Ananda; e representantes de tribos indígenas dos EUA (Lakota, Cheyenne, Navajo), México (Asteca e Tolteca) e Amazônia (Yawanawa, Kaxinawá e Kuntanawa). Os temas a serem discutidos passam por reflorestamento, preservação e sustentabilidade; "2012 - fim do mundo ou fim de um mundo?"; visões de tradições para o momento planetário; Calendário Maia entre outras questões.

A Co-CreatiOne, produtora e idealizadora do projeto, programou shows de artistas que militam em causas sócio-ambientais. No primeiro dia do evento o palco principal (de 20h ás 2h) recebe as bandas Ponto de Equilíbrio, Pedra Branca (versão completa com 10 músicos e performances), Abayomy Orquestra, Natiruts, MV Bill e um sarau indígena com cantos nativos de tribos da Amazônia. No dia seguinte, se apresentam DJs de música eletrônica entre eles Michele Adamson (Inglaterra), Liquid Soul (Suíça), Perfect Stranger (Israel), Earsugar (Suíça) e The Reality Scientist (Brasil).

Serviço:

NOVA TERRA FESTIVAL
"Uma nova consciência"

Datas: 01 e 02 de maio de 2010, a partir das 10h.
Local: Sítio das Pedras - Vargem Pequena - Rio de Janeiro
Entrada: para 1 dia: R$ 40 (até 20/03) | R$ 50 (até 10/04) | R$ 60
para os 2 dias: R$ 60 (até 20/03) | R$ 80 (até 10/04) | R$ 100

Mais informações: http://portalnovaterra.com/
Vendas online: www.novaterrafestival.com.br
Censura: 12 anos. Menores de 12 anos apenas acompanhados pelos pais.

Realização: CoCreatiOne e Acesso
Produção Artística: Wild Artists
Apoio: Prefeitura do Rio / Ministério do Turismo / Governo Federal
Assessoria de Imprensa: Binômio Comunicação - Marcelo Gusmão (7821-9509) e Joca Vidal (8798-6268)



Fonte: http://portalnovaterra.com/ : www.novaterrafestival.com.br


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Os Dez Mandamentos (versão revisada e ampliada)




Os Mandamentos abaixo elencados têm um denominador comum: todos já foram experimentados e estão sendo aplicados em diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. São iniciativas que deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em função da diversidade planetária, é hoje viável. O artigo é de Ladislau Dowbor. (Charge de Santiago).


Como sociedade, desejamos não somente sobreviver, mas viver com qualidade de vida, e porque não, com felicidade. E isto implica elencarmos de forma ordenada os resultados mínimos a serem atingidos, com os processos decisórios correspondentes. Os Mandamentos abaixo elencados têm um denominador comum: todos já foram experimentados e estão sendo aplicados em diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. São iniciativas que deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em função da diversidade planetária, é hoje viável. Não temos a ilusão relativamente à distância entre a realidade política de hoje e as medidas sistematizadas abaixo. Mas pareceu-nos essencial, de toda forma, elencar de forma organizada as medidas necessárias, pois ter um norte mais claro ajuda na construção de uma outra governança planetária. Não estão ordenadas por ordem de importância, pois a maioria tem implicações simultâneas e dimensões interativas. Mas todos os mandamentos deverão ser obedecidos, pois a ira dos elementos nos atingirá a todos, sem precisar esperar a outra vida.

Considerando que a obediência à versão original dos Dez Mandamentos foi apenas aleatória, desta vez o Autor teve a prudência de acrescentar a cada Mandamento uma nota de explicação, destinada em particular aos impenitentes.

I – Não comprarás os Representantes do Povo
Resgatar a dimensão pública do Estado: Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem se é o dinheiro das corporações a regular que elege os reguladores? Se as agências que avaliam risco são pagas por quem cria o risco? Se é aceitável que os responsáveis de um banco central venham das empresas que precisam ser reguladas, e voltem para nelas encontrar emprego?

Uma das propostas mais evidentes da última crise financeira, e que encontramos mencionada em quase todo o espectro político, é a necessidade de se reduzir a capacidade das corporações privadas ditarem as regras do jogo. A quantidade de leis aprovadas no sentido de reduzir impostos sobre transações financeiras, de reduzir a regulação de banco central, de autorizar os bancos a fazerem toda e qualquer operação, somado com o poder dos lobbies financeiros tornam evidente a necessidade de se resgatar o poder regulador do estado, e para isto os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade, e não por pessoas jurídicas, que constituem ficções em termos de direitos humanos. Enquanto não tivermos financiamento público das campanhas, políticas que representem os interesses dos cidadãos, prevalecerão os interesses econômicos de curto prazo, os desastres ambientais e a corrupção.

II – Não Farás Contas erradas
As contas têm de refletir os objetivos que visamos. O PIB indica a intensidade do uso do aparelho produtivo, mas não nos indica a utilidade do que se produz, para quem, e com que custos para o estoque de bens naturais de que o planeta dispõe. Conta como aumento do PIB um desastre ambiental, o aumento de doenças, o cerceamento de acesso a bens livres. O IDH já foi um imenso avanço, mas temos de evoluir para uma contabilidade integrada dos resultados efetivos dos nossos esforços, e particularmente da alocação de recursos financeiros, em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável. As metodologias existem, aplicadas parcialmente em diversos países, setores ou pesquisas.

A ampliação dos indicadores internacionais como o IDH, a generalização de indicadores nacionais como os Calvert-Henderson Quality of Life Indicators nos Estados Unidos, as propostas da Comissão Stiglitz/Sen/Fitoussi, o movimento FIB – Felicidade Interna Bruta – todos apontam para uma reformulação das contas. A adoção em todas as cidades de indicadores locais de qualidade de vida – veja-se os Jacksonville Quality of Life Progress Indicators – tornou-se hoje indispensável para que seja medido o que efetivamente interessa: o desenvolvimento sustentável, o resultado em termos de qualidade de vida da população. Muito mais do que o produto (output), trata-se de medir o resultado (outcome).

III – Não Reduzirás o Próximo à Miséria
Algumas coisas não podem faltar a ninguém. A pobreza crítica é o drama maior, tanto pelo sofrimento que causa em si, como pela articulação com os dramas ambientais, o não acesso ao conhecimento, a deformação do perfil de produção que se desinteressa das necessidades dos que não têm capacidade aquisitiva. A ONU calcula que custaria 300 bilhões de dólares (no valor do ano 2000) tirar da miséria um bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia. São custos ridículos quando se considera os trilhões transferidos para grupos econômicos financeiros no quadro da última crise financeira. O benefício ético é imenso, pois é inaceitável morrerem de causas ridículas 10 milhões de crianças por ano. O benefício de curto e médio prazo é grande, na medida em que os recursos direcionados à base da pirâmide dinamizam imediatamente a micro e pequena produção, agindo como processo anticíclico, como se tem constatado nas políticas sociais de muitos países. No mais longo prazo, será uma geração de crianças que terão sido alimentadas decentemente, o que se transforma em melhor aproveitamento escolar e maior produtividade na vida adulta. Em termos de estabilidade política e de segurança geral, os impactos são óbvios. Trata-se do dinheiro mais bem investido que se possa imaginar, e as experiências brasileira, mexicana e de outros países já nos forneceram todo o know-how correspondente. A teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda, é simplesmente desmentida pelos fatos: sair da miséria estimula, e o dinheiro é simplesmente mais útil onde é mais necessário.

IV – Não Privarás Ninguém do Direito de Ganhar o seu Pão
Universalizar a garantia do emprego é viável. Toda pessoa que queira ganhar o pão da sua família deve poder ter acesso ao trabalho. Num planeta onde há um mundo de coisas a fazer, inclusive para resgatar o meio ambiente, é absurdo o número de pessoas sem acesso a formas organizadas de produzir e gerar renda. Temos os recursos e os conhecimentos técnicos e organizacionais para assegurar, em cada vila ou cidade, acesso a um trabalho decente e socialmente útil. As experiências de Maharashtra na Índia demonstraram a sua viabilidade, como o mostram as numerosas experiências brasileiras, sem falar no New Deal da crise dos anos 1930. São opções onde todos ganham: o município melhora o saneamento básico, a moradia, a manutenção urbana, a policultura alimentar. As famílias passam a poder viver decentemente, e a sociedade passa a ser melhor estruturada e menos tensionada. Os gastos com seguro-desemprego se reduzem. No caso indiano, cada vila ou cidade é obrigada a ter um cadastro de iniciativas intensivas em mão de obra.

Dinheiro emprestado ou criado desta forma representa investimento, melhoria de qualidade de vida, e dá excelente retorno. E argumento fundamental: assegura que todos tenham o seu lugar para participar na construção de um desenvolvimento sustentável. Na organização econômica, além do resultado produtivo, é essencial pensar no processo estruturador ou desestruturador gerado. A pesca oceânica industrial pode ser mais produtiva em volume de peixe, mas o processo é desastroso, tanto para a vida no mar como para centenas de milhões de pessoas que viviam da pesca tradicional. A dimensão de geração de emprego de todas as iniciativas econômicas tem de se tornar central. Assegurar a contribuição produtiva de todos, ao mesmo tempo que se augmenta gradualmente o salário mínimo e se reduz a jornada, leva simplesmente a uma prosperidade mais democrática.

V – Não Trabalharás Mais de Quarenta Horas
Podemos trabalhar menos, e trabalharemos todos, com tempo para fazermos mais coisas interessantes na vida. A sub-utilização da força de trabalho é um problema planetário, ainda que desigual na sua gravidade. No Brasil, conforme vimos, com 100 milhões de pessoas na PEA, temos 31 milhões formalmente empregadas no setor privado, e 9 milhões de empregados públicos. A conta não fecha. O setor informal situa-se na ordem de 50% da PEA. Uma imensa parte da nação “se vira” para sobreviver. No lado dos empregos de ponta, as pessoas não vivem por excesso de carga de trabalho. Não se trata aqui de uma exigência de luxo: são incontáveis os suicídios nas empresas onde a corrida pela eficiência se tornou simplesmente desumana. O stress profissional está se tornando uma doença planetária, e a questão da qualidade de vida no trabalho passa a ocupar um espaço central. A redistribuição social da carga de trabalho torna-se hoje uma necessidade. As resistências são compreensíveis, mas a realidade é que com os avanços da tecnologia os processos produtivos tornam-se cada vez menos intensivos em mão de obra, e reduzir a jornada é uma questão de tempo. Não podemos continuar a basear o nosso desenvolvimento em ilhas tecnológicas ultramodernas enquanto se gera uma massa de excluídos, inclusive porque se trata de equilibrar a remuneração e, consequentemente, a demanda. A redução da jornada não reduzirá o bem estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida.

VI – Não Viverás para o Dinheiro
A mudança de comportamento, de estilo de vida, não constitui um sacrifício, e sim um resgate do bom senso. Neste planeta de 7 bilhões de habitantes, com um aumento anual da ordem de 75 milhões, toda política envolve também uma mudança de comportamento individual e da cultura do consumo. O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais.

No apagão energético do final dos anos 90 no Brasil, constatou-se como uma boa campanha informativa, o papel colaborativo da mídia, e a punição sistemática dos excessos permitiu uma racionalização generalizada do uso doméstico da energia. Esta dimensão da solução dos problemas é essencial, e envolve tanto uma legislação adequada, como sobretudo uma participação ativa da mídia.

Hoje 95% dos domicílios no Brasil têm televisão, e o uso informativo inteligente deste e de outros meios de comunicação tornou-se fundamental. Frente aos esforços necessários para reequilibrar o planeta, não basta reduzir o martelamento publicitário que apela para o consumismo desenfreado, é preciso generalizar as dimensões informativas dos meios de comunicação. A mídia científica praticamente desapareceu, os noticiários navegam no atrativo da criminalidade, quando precisamos vitalmente de uma população informada sobre os desafios reais que enfrentamos. A pergunta a se fazer a cada ato de conusmo, não é só se “é bom para mim”, mas se é bem para o planeta e o bem comum, e buscar um equilíbrio razoável. A opção individual é essencial, mas não suficiente.

Grande parte da mudança do comportamento individual depende de ações públicas: as pessoas não deixarão o carro em casa (ou deixarão de tê-lo) se não houver transporte público, não farão reciclagem se não houver sistemas adequados de coleta. Precisamos de uma política pública de mudança do comportamento individual.

VII – Não Ganharás Dinheiro com o Dinheiro dos Outros
Racionalizar os sistemas de intermediação financeira é viável. A alocação final dos recursos financeiros deixou de ser organizada em função dos usos finais de estímulo e orientação de atividades econômicas e sociais, para obedecer às finalidades dos próprios intermediários financeiros. A atividade de crédito é sempre uma atividade pública, seja no quadro das instituições públicas, seja no quadro dos bancos privados que trabalham com dinheiro do público, e que para tanto precisam de uma carta-patente que os autorize a ganhar dinheiro com dinheiro dos outros. A recente crise financeira de 2008 demonstrou com clareza o caos que gera a ausência de mecanismos confiáveis de regulação no setor. Nas últimas duas décadas, temos saltado de bolha em bolha, de crise em crise, sem que a relação de forças permita a reformulação do sistema de regulação em função da produtividade sistêmica dos recursos. Enquanto não se gera uma relação de forças mais favorável, precisamos batalhar os sistemas nacionais de regulação financeira. O dinheiro não é mais produtivo onde rende mais para o intermediário: devemos buscar a produtividade sistêmica de um recurso que é público.

A Coréia do Sul abriu recentemente um financiamento de 36 bilhões de dólares para financiar transporte coletivo e alternativas energéticas, gerando com isto 960 mil empregos. O impacto positivo é ambiental pela redução de emissões, é anti-cíclico pela dinamização da demanda, é social pela redução do desemprego e pela renda gerada, é tecnológico pelas inovações que gera nos processos produtivos mais limpos. Tem inclusive um impacto raramente considerado, que é a redução do tempo vida que as pessoas desperdiçam no transporte. Trata-se aqui, evidentemente, de financiamento público, pois os bancos comerciais não teriam esta preocupação, nem esta visão sistêmica. (UNEP,Global Green New Deal, 2009). Em última instância, os recursos devem ser tornados mais acessíveis segundo que os objetivos do seu uso sejam mais produtivos em termos sistêmicos, visando um desenvolvimento mais inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é um meio, não é um fim.

Particular atenção precisa ser dada aos intermediários que ganham apenas nos fluxos entre outros intermediários – com papéis que representam direitos sobre outros papéis – e que têm tudo a ganhar com a maximização dos fluxos, pois são remunerados por comissões sobre o volume e ganhos, e geram portanto volatilidade e pro-ciclicidade, com os monumentais volumes que nos levaram por exemplo a valores em derivativos da ordem de 863 trilhões de dólares em junho de 2008, 15 vezes o PIB mundial. A intermediação especulativa – diferentemente das intermediação de compras e vendas entre produtores e utilizadores finais – apenas gera uma pirâmide especulativa e insegurança, além de desorganizar os mercados e as políticas econômicas (1).

VIII – Não Tributarás Boas Iniciativas
A filosofia do imposto, de quem se cobra, e a quem se aloca, precisa ser revista. Uma política tributária equilibrada na cobrança, e reorientada na aplicação dos recursos, constitui um dos instrumentos fundamentais de que dispomos, sobretudo porque pode ser promovida por mecanismos democráticos. O eixo central não está na redução dos impostos, e sim na cobrança socialmente mais justa e na alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. A taxação das transações especulativas (nacionais ou internacionais) deverá gerar fundos para financiar uma série de políticas essenciais para o reequilíbrio social e ambiental. O imposto sobre grandes fortunas é hoje essencial para reduzir o poder político das dinastias econômicas (10% das famílias do planeta é dono de 90% do patrimônio familiar acumulado no planeta). O imposto sobre a herança é fundamental para dar chances a partilhas mais equilibradas para as sucessivas gerações. O imposto sobre a renda deve adquirir mais peso relativamente aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda. É importante lembrar que as grandes fortunas do planeta em geral estão vinculadas não a um acréscimo de capacidades produtivas do planeta, e sim à aquisição maior de empresas por um só grupo, gerando uma pirâmide cada vez mais instável e menos governável de propriedades cruzadas, impérios onde a grande luta é pelo controle do poder financeiro, político e midiático, e a apropriação de recursos naturais.

O sistema tributário tem de ser reformulado no sentido anti-cíclico, privilegiando atividades produtivas e penalizando as especulativas; no sentido do maior equilíbrio social ao ser fortemente progressivo; e no sentido de proteção ambiental ao taxar emissões tóxicas ou geradoras de mudança climática, bem como o uso de recursos naturais não renováveis (2).

O poder redistributivo do Estado é grande, tanto pelas políticas que executa – por exemplo as políticas de saúde, lazer, saneamento e outras infra-estruturas sociais que melhoram o nível de consumo coletivo – como pelas que pode fomentar, como opções energéticas, inclusão digital e assim por diante. Fundamental também é a política redistributiva que envolve política salarial, de previdência, de crédito, de preços, de emprego.

A forte presença das corporações junto ao poder político constitui um dos entraves principais ao equilíbrio na alocação de recursos. O essencial é assegurar que todas as propostas de alocação de recursos sejam analisadas pelo triplo enfoque econômico, social e ambiental. No caso brasileiro, constatou-se com as recentes políticas sociais (“Bolsa-Família”, políticas de previdência etc.) que volumes relativamente limitados de recursos, quando chegam à “base da pirâmide”, são incomparavelmente mais produtivos, tanto em termos de redução de situações críticas e consequente aumento de qualidade de vida, como pela dinamização de atividades econômicas induzidas pela demanda local. A democratização aqui é fundamental. A apropriação dos mecanismos decisórios sobre a alocação de recursos públicos está no centro dos processos de corrupção, envolvendo as grandes bancadas corporativas, por sua vez ancoradas no financiamento privado das campanhas.

IX – Não Privarás o Próximo do Direito ao Conhecimento
Travar o acesso ao conhecimento e às tecnologias sustentáveis não faz o mínimo sentido. A participação efetiva das populações nos processos de desenvolvimento sustentável envolve um denso sistema de acesso público e gratuito à informação necessária. A conectividade planetária que as novas tecnologias permitem constitui uma ampla via de acesso direto. O custo-benefício da inclusão digital generalizada é simplesmente imbatível, pois é um programa que desonera as instâncias administrativas superiores, na medida em que as comunidades com acesso à informação se tornam sujeitos do seu próprio desenvolvimento. A rapidez da apropriação deste tipo de tecnologia até nas regiões mais pobres se constata na propagação do celular, das lan houses mais modestas. O impacto produtivo é imenso para os pequenos produtores que passam a ter acesso direto a diversos mercados tanto de insumos como de venda, escapando aos diversos sistemas de atravessadores comerciais e financeiros. A inclusão digital generalizada é um destravador potente do conjunto do processo de mudança que hoje se torna indispensável.

O mundo frequentemente esquece que 2 bilhões de pessoas ainda cozinham com lenha, área em que há inovações significativas no aproveitamento calórico por meio de fogões melhorados. Tecnologias como o sistema de cisternas do Nordeste, de aproveitamento da biomassa, de sistemas menos agressivos de proteção dos cultivos etc., constituem um vetor de mudança da cultura dos processos produtivos. A criação de redes de núcleos de fomento tecnológico online, com ampla capilaridade, pode se inspirar da experiência da Índia, onde foram criados núcleos em praticamente todas as vilas do país. O World Economic and Social Survey 2009 é particularmente eloquente ao defender a flexibilização de patentes no sentido de assegurar ao conjunto da população mundial o acesso às informações indispensáveis para as mudanças tecnológicas exigidas por um desenvolvimento sustentável.

X – Não Controlarás a Palavra do Próximo
Democratizar a comunicação tornou-se essencial. A comunicação é uma das áreas que mais explodiu em termos de peso relativo nas transformações da sociedade. Estamos em permanência cercados de mensagens. As nossas crianças passam horas submetidas à publicidade ostensiva ou disfarçada. A indústria da comunicação, com sua fantástica concentração internacional e nacional - e a sua crescente interação entre os dois níveis - gerou uma máquina de fabricar estilos de vida, um consumismo obsessivo que reforça o elitismo, as desigualdades, o desperdício de recursos como símbolo de sucesso. O sistema circular permite que os custos sejam embutidos nos preços dos produtos que nos incitam a comprar, e ficamos envoltos em um cacarejo permanente de mensagens idiotas pagas do nosso bolso. Mais recentemente, a corporação utiliza este caminho para falar bem de si, para se apresentar como sustentável e, de forma mais ampla, como boa pessoa. O espectro eletromagnético em que estas mensagens navegam é público, e o acesso a uma informação inteligente e gratuita para todo o planeta, é simplesmente viável. Expandindo gradualmente as inúmeras formas alternativas de mídia que surgem por toda parte, há como introduzir uma cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada, pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais.

O fato que mais inspira esperança é a multiplicação impressionante de iniciativas nos planos da tecnologia, dos sistemas de gestão local, do uso da internet para democratizar o conhecimento, da descoberta de novas formas de produção menos agressivas, de formas mais equilibradas de acesso aos recursos. O Brasil neste plano tem mostrado que começar a construir uma vida mais digna para o “andar de baixo”, para os dois terços de excluídos, não gera tragédias para os ricos. Inclusive, numa sociedade mais equilibrada, todos passarão a viver melhor. Tolerar um mundo onde um bilhão de pessoas passam fome, onde 10 milhões de crianças morrem anualmente de causas ridículas, e onde se dilapidam os recursos naturais das próximas gerações, em proveito de fortunas irresponsáveis, já não é possível.

Nesta época interativa, o Altíssimo declarou-se disposto a considerar outros Mandamentos. Sendo o Secretariado do Altíssimo hoje bem equipado, os que por acaso tenham sugestões ou necessitem consultar documentos mais completos, poderão se instruir com outros Assessores, em linha direta sob www.criseoportunidade.wordpress.com. Críticas, naturalmente, deverão ser endereçadas a Instâncias Superiores. Apreciações positivas e sugestões de outros Mandamentos poderão ser enviadas ao blog acima citado, ou no e-mail ladislau@dowbor.org

NOTAS

(1) BIS Quarterly Review, December 2008, Naohiko Baba et al., www.bis.org/publ/qtrpdf/r_qt0812b.pdf p. 26: “In November, the BIS released the latest statistics based on positions as at end-june 2008 in the global over-the-counter (OTC) derivatives markets. The notional amounts outstanding of OTC derivatives continued to expand in the first half of 2008. Notional amounts of all types of OTC contracts stood at $863 trillion at the end of June, 21% higher than six months before”. São 863 trilhões de dólares de derivativos emitidos, frente a um PÌB mundial de cerca de 60 trilhões.

(2) Susan George traz uma ilustração convincente: um bilionário que aplica o seu dinheiro com uma conservadora remuneração de 5% ao ano, aumenta a sua fortuna em 137 mil dólares por dia. Taxar este tipo de ganhos não é “aumentar os impostos”, é corrigir absurdos.

Fonte: Carta Maior

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

HOME - O mundo é a nossa casa - Yann Arthus-Bertrand, 2009



EMERGÊNCIA

por felipe botelho

A situação de degradação em que se encontra o nosso planeta - nossa casa - infelizmente ainda tem pouco destaque na mídia de grande escala. Aparece sempre como coadjuvante, "às vezes", nunca com a ênfase e a frequência que deveria ter.

O documentário "HOME - o mundo é a nossa casa", realizado pelo fotógrafo e jornalista francês Yann Arthus-Bertrand, com produção de Luc Besson e Denis Carot, traça através de imagens aéreas belíssimas e potentes a trajetória da vida do homem - da espécie, homo sapiens - e como sua relação com a Terra se tornou de amistosa a catastrófica, focando principalmente em como o consumo desenfreado colocou em cheque a saúde do planeta e a vida de milhões de pessoas nas próximas décadas. Aliás, a FAO (Food and Agriculture Organization) já anunciou que até o final de 2009 o número de famintos no planeta irá ultrapassar a marca de 1 bilhão de pessoas.

A situação é drástica e para reverte-la, a mudança em nosso estilo de vida precisa ser radical. "Um estilo de vida consumista acelera a exaustão dos recursos naturais - quem consome muito além do necessário agrava a pressão sobre os estoques ne energia, com reflexos importantes sobre as emissões de CO2. Apesar do que apregoam muitas campanhas publicitárias, é possível ser feliz com menos, bem menos do que aparece nos comerciais", diz André Trigueiro, professor de jornalismo ambiental da PUC-Rio no artigo entitulado "Não há mais tempo a perder", publicado na edição deste mês da Folha Carioca.

Face à situação emergencial, HOME é livre de direitos autorais e está disponível na íntegra no Youtube, em alta qualidade, em versões dubladas e legendadas em diversos idiomas. Abaixo, o link da versão em português.

http://www.youtube.com/watch?v=tCVqx2b-c7U

Espero que todos possam assistir, e fazer uma pausa para refletir nas atitudes que podemos mudar. Já compraram sua sacola reutilizável para trazer as comprar do mercado? Estão usando mais bicicleta ou o ônibus? Separando o lixo doméstico?
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Recomendo também a palestra de Yann Arthus-Bertrand para a TED, na qual o fotógrafo comenta os conceitos e imagens apresentados no documentário HOME e seu outro projeto, "6 billion others", também simplesmente excelente!!!

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Fonte: 800e8

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HOME – O Mundo é a nossa casa

Ao longo de uma sequência única através de cinquenta países, toda filmada dos céus, Yann Arthus-Bertrand divide conosco sua admiração e preocupação com o planeta e finca a pedra fundamental para mostrar que, juntos, precisamos reconstruí-lo. O filme HOME, lançado em 50 países no último Dia Mundial do Ambiente (05/06), já está inteiramente disponível na internet e pode ser assistido aqui. Confira o trailer abaixo.

O objetivo do diretor Yann Arthus-Bertrand, dos distribuidores Luc Besson e François-Henri Pinault, do presidente e diretor executivo da PPR, principal patrocinadora do filme, é atingir a maior audiência possível e convencer a todos de nossas responsabilidades individuais e coletivas com relação ao planeta.

Confira também a página oficial do filme.


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domingo, 5 de julho de 2009

América Latina: a hora de uma Economia Climática

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Por Gerardo Honty


A América Latina enfrenta seus problemas de desenvolvimento, mudança climática e energia a partir de uma posição de dependência. Prevalece na região a idéia de que, para empreender ações que conduzam a um caminho de desenvolvimento com baixas emissões de carbono e de adaptação à mudança climática, é imprescindível que antes sejam desenvolvidos mecanismos de financiamento norte-sul que assegurem os recursos necessários para as transformações produtivas, tecnológicas e políticas, entre outras. Ou seja, que instrumentos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Fundo de Adaptação, a Transferência Tecnológica, etc, se fortaleçam e amadureçam. No entanto, até agora, esses instrumentos não demonstraram capacidade de financiar ou alavancar suficientemente os investimentos necessários e, a esta altura, pode-se supor que é muito difícil que o façam algum dia.

Até 2030, o mundo estará marcado por uma economia mundial com petróleo escasso, com restrições às emissões de gases de efeito estufa e com enormes demandas por investimentos para fazer frente aos impactos das mudanças climáticas. Enquanto os governos da região esperam a chegada dos grandes fluxos financeiros dos países desenvolvidos, o tempo para tomar decisões vai passando e os problemas se mostram cada vez mais próximos.

A demanda internacional por uma compensação pelos danos derivados do aquecimento global não deveria ser obstáculo para que a região empreendesse, de uma vez e com recursos próprios, a tarefa de traçar a nova trilha do desenvolvimento sustentável em um contexto de mudança climática. Os países latino-americanos necessitam de uma economia nacional orientada pela estratégia de reduzir as emissões e o consumo de combustíveis fósseis, preparando-se para os efeitos das alterações do clima nos setores produtivos do território. A essa economia dou o nome de Economia Climática.

Desenvolvidos x Em Desenvolvimento

A urgência de certas medidas e a exigência de um desenvolvimento mais eqüitativo e sustentável deveria ser motivo suficiente para empreender, o quanto antes, ações em busca de uma Economia Climática. Obviamente os países industrializados têm a obrigação, moral e jurídica, de transferir recursos, conhecimentos e tecnologia. São os maiores responsáveis pela mudança climática, têm disponibilidade de recursos e níveis de consumo e riqueza que deixam pouca margem para discussão. Diante disso, é claro que a América Latina – e os demais países de menor desenvolvimento – devem manter suas legítimas reivindicações.

Porém, enquanto os governos latino-americanos esperam os resultados das negociações no âmbito da Convenção de Mudança Climática, não aproveitam oportunidades atuais de iniciar um caminho auto-sustentável de desenvolvimento limpo e melhores perspectivas para o futuro. O aumento do uso de fontes renováveis, a eficiência energética e a introdução de tecnologias para um melhor aproveitamento dos recursos hídricos não são novidades surgidas com a mudança climática. São temas antigos na agenda latino-americana. A novidade é que o fenômeno do aquecimento global colocou tais questões em primeiro lugar na agenda internacional, o que facilita o acesso a essas tecnologias.

O que se segue neste artigo é uma reflexão acerca das vantagens econômicas, sociais e ambientais que os países latino-americanos poderiam obter caso tomassem decisões precoces ante ao previsível cenário que se avizinha.

Benefícios da estratégia de mitigação

A América Latina não tem uma contribuição pequena nos cenários das mudanças climáticas, se formos considerar suas emissões per capita ou por unidade de PIB. Com 8,5% da população e do PIB global, a região é responsável por 12% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) mundiais. Portanto, ainda que sua responsabilidade sobre o aquecimento do planeta seja menor – já que este é resultado da acumulação de gases produzidos sobretudo nos países desenvolvidos ao longo de várias décadas – o continente tem extrema importância em relação ao futuro da alteração do clima.

Até 2050, mesmo supondo que as nações industrializadas reduzissem suas emissões a zero, os países em vias de desenvolvimento deveriam reduzir em 28% suas emissões em relação ao ano 2000. Isto já seria uma razão poderosa para fazer o esforço de reduzir as emissões de GEE.

Entretanto, mesmo que aceitássemos a tese de que a responsabilidade maior é dos países desenvolvidos e, por conseqüência, também o esforço maior inicial deveria ser feito por eles, há várias razões importantes para que a América Latina encare uma Economia Climática. Isso em função dos benefícios econômicos, sociais e ambientais que uma estratégia deste tipo traria para os países da região.

Há uma série de medidas de mitigação que a maioria dos organismos internacionais públicos e privados recomendam. Tais medidas fazem parte das necessidades históricas dos países latino-americanos e atualmente têm muito mais possibilidades de serem satisfeitas do que no passado. Hoje elas estão sendo impulsionadas, sobretudo, por razões vinculadas à mudança climática, mas as nações da região deveriam aproveitar estas novas facilidades especialmente em função dos benefícios adicionais delas decorrentes.

Alguns exemplos:

1) Melhorias no sistema de transporte público

O transporte público é deficitário na maioria das cidades latino-americanas. Isso tem uma incidência decisiva na preferência dos usuários pelo transporte individual (automóveis e motocicletas), na medida que suas possibilidades econômicas permitem. O resultado é um sistema de transporte que em seu conjunto resulta ineficiente, com altas taxas de emissão de gases que contaminam o ar urbano, com alto consumo de petróleo, com congestionamentos (com perda de horas de trabalho), etc.

Investir em políticas e sistemas de transporte público mais eficientes e eficazes resulta em uma economia de divisas (no caso dos países importadores de petróleo ou derivados), uma redução da poluição local, descongestionamento do tráfego e – sobretudo – um melhor sistema de transporte para os cidadãos de baixa renda, que nunca poderiam ter acesso a um transporte individual próprio.

2) Melhorias em eficiência energética no consumo residencial

Medidas como a substituição de lâmpadas incandescentes por lâmpadas de baixo consumo, etiquetagem de eletrodomésticos e sistemas de certificação de eficiência térmica das edificações são algumas das recomendações para reduzir as emissões de GEE derivadas do consumo de energia em nível residencial. Esse tipo de medida tem implicações econômicas positivas para o país como um todo (redução de investimentos em infra-estrutura e abastecimento energético, economia de divisas por importação de energia, etc.) e para os próprios usuários, que verão reduzidas suas faturas de eletricidade, de gás ou de outras fontes de energia. Estas políticas também amparam os setores com menos recursos, que gastam boa parte de suas magras rendas nos serviços energéticos.

3) Melhorias em eficiência energética na indústria

Este tipo de medida tem grande impacto na economia nacional, em decorrência da economia em infra-estrutura e abastecimento de energia. Além do mais, o potencial de economia energética nos setores industriais da América Latina é suficientemente alto para que possa ser financiado pelas próprias empresas. Nesse sentido, a promoção das Empresas de Serviços Energéticos e políticas públicas que incentivem a eficiência energética podem gerar não só a redução das emissões de GEE, como também ajudar a reduzir os custos de produção, melhorando a competitividade das empresas.

Esses exemplos pretendem ilustrar os benefícios que os países da América Latina poderiam obter ao iniciar, em curto prazo – e aproveitando as oportunidades que a problemática da mudança climática oferece em matéria de facilidades para a incorporação de tecnologia – uma vertente econômica de baixo conteúdo de carbono. Todas elas, além do mais, têm a virtude de reduzir os riscos resultantes da volatilidade dos preços internacionais do petróleo e, particularmente, da perspectiva de uma futura de escassez do produto.

Da mesma maneira que se pode tomar partido das estratégias de mitigação com grandes benefícios nacionais secundários, os países não deveriam se distrair com aquelas soluções que trazem benefícios apenas com respeito ao aquecimento global e pouco ou nenhum em plano nacional. Exemplo desta última estratégia são os projetos de redução de HFCs e CFCs, que na atualidade ocupam boa parte dos certificados de redução de emissões na pasta do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo latino-americano.

Restrições comerciais a produtos com alto conteúdo de carbono

Até 2030, os países, necessariamente, terão que pagar para emitir gases de efeito estufa na atmosfera, seja por meio de um sistema de limites e certificados negociáveis, de impostos sobre o carbono ou de outras formas que se adotem. As negociações internacionais sobre mudança climática e as perspectivas de aumento das emissões nos próximos anos fazem prever, com alto grau de certeza, que em um futuro próximo haverá limites para as emissões de GEE para todos – ou quase todos – os países. E não há dúvida que a maioria das nações latino-americanas estará entre eles.

Para além da discussão sobre quem tem maiores responsabilidades e como se financia a mudança tecnológica – que vem se arrastando desde as origens da Convenção de Mudança Climática – os limites vão existir. Como conseqüência disto, aqueles países que começarem mais tarde com suas políticas de “descarbonização” da economia terão maiores custos e menos oportunidades para realizar a transição.

Além disso, o mercado internacional começará a penalizar os produtos cujo ciclo de vida tenha produzido altos níveis de emissões. O comércio de bens e serviços com alto conteúdo de carbono se verá restrito no futuro por medidas não-tarifárias de proteção ambiental. Isto já está acontecendo com alguns produtos, como ocorre com os biocombustíveis que não demonstram uma real redução de emissões ao longo do ciclo de vida.

Portanto, da mesma maneira que hoje muitos de nossos produtos são submetidos a diversas formas de certificação no mercado internacional por razões distintas, é previsível que esta seja uma nova exigência a qual terão que se adequar. Nesse sentido, também, esperar que nas negociações da Convenção de Mudança Climática os países desenvolvidos assumam seus compromissos de transferência de recursos e tecnologia para a transição, trará muitos efeitos negativos para as economias latino-americanas.

Outra previsão à qual os países da América Latina devem estar atentos diz respeito à seleção do investimento estrangeiro a ser consolidado nacionalmente. Os governos latino-americanos são, em geral, propensos a aceitar todo tipo de aporte internacional direto com o entendimento de que isso gera benefícios econômicos evidentes para o país. Entretanto, a introdução de produção estrangeira com alto conteúdo de carbono pode resultar em um bumerangue no futuro, ao elevar os níveis nacionais de emissões de gases de efeito estufa. Isso será, inclusive, cada vez mais notório, à medida que as indústrias com altas emissões de carbono em seus processos produtivos se vejam motivadas a se deslocar dos países com limites ou penalização por emissões para aqueles países em desenvolvimento que não tenham estes tipos de restrições.

Da mesma forma, as nações latino-americanas deverão ser seletivas na hora de aplicar subsídios ou ajudas para a melhora da eficiência energética. Há indústrias energo-intensivas de alto uso de capital e pouca mão de obra (como as de aço, papel e cimento) que apresentam grandes oportunidades de ganho em eficiência. Os benefícios de uma política pública de eficiência energética deveriam estar orientados aos setores industriais de menor potencial econômico e com maior capacidade de distribuição da riqueza por meio do emprego da mão de obra. Para as empresas maiores e intensivas no uso de energia, o retorno a partir da economia gerada pelas medidas de eficiência energética já é rentável por si só.

O financiamento para a adaptação

Adequar os sistemas produtivos para uma economia descarbonizada pode também ser encarado como uma política de adaptação, quando por adaptação se entendam os “ajustes nos sistemas ecológicos, sociais ou econômicos para responder a estímulos climáticos presentes ou esperados e seus efeitos ou impactos” (Convenção de Mudança Climática).

Algo similar ao que ocorre com o atraso em implementar as medidas de mitigação acontece com a demora em iniciar a adaptação. Os países em desenvolvimento, em geral, e os da América Latina em particular, estão atrasando a aplicação destas medidas à espera da decisão dos países desenvolvidos sobre a transferência de fundos com tal fim.

Neste caso, não há dúvidas acerca da legitimidade dessa postura e da necessidade de manter a demanda a nível internacional. No entanto, a certeza acerca dos efeitos da mudança climática e dos custos que terá para os países latino-americanos é absoluta. Também está bastante claro quais são as vulnerabilidades principais em cada um dos países e as principais medidas que seria necessário tomar. A decisão principal, portanto, não é o “que”, nem o “como”, nem o “onde”, mas sim o “quando”.

Enquanto exigem o cumprimento dos compromissos quanto à transferência de recursos para adaptação acordados na Convenção, as nações latino-americanas deveriam ir tomando algumas medidas prioritárias com base nos recursos públicos (com o entendimento de que em médio prazo se compensarão com as economias em futuras medidas de reparação) e outras que deveriam ser internalizadas nos custos de produção da atividade privada.

Um caso típico é o dos riscos climáticos para a produção agropecuária. Da mesma maneira que em muitos países é obrigatória a contratação de seguros para circular com veículos pela via pública, deveria começar a se exigir seguros obrigatórios para a produção agropecuária. Tem-se vivido repetidamente, nos últimos tempos, neste setor, a conseqüência de perdas econômicas originadas em eventos climáticos, como a seca ou as inundações. Em muitos casos, a continuidade do empreendimento agropecuário se viu ameaçada por estas perdas, o que se traduziu em uma demanda de assistência por parte do Estado para garantir a permanência das unidades produtivas – algumas vezes efetivada e outras não.

Muitos dos países da região têm porcentagens significativas de seu PIB neste setor, cujos produtos formam parte importante de seus fluxos de exportações. É muito factível – quase ao grau de certeza – que estes eventos se vejam incrementados nos próximos anos e os custos da não-adaptação serão muito maiores que os de algumas medidas preventivas anteriores. A adaptação permite não só uma distribuição gradual dos custos no tempo, como também internalizar estes custos na economia antes que os fundos públicos o tenham que fazer. Implementar políticas e medidas antecipatórias, por meio da internacionalização dos custos de prevenção ou do investimento público, é parte substancial da sustentabilidade econômica dos países. Isso não deveria ser adiado à espera das resoluções que possam surgir das negociações internacionais da mudança climática.

O mesmo critério de obrigatoriedade dos seguros para a produção agropecuária pode ser ampliado às obras de infra-estrutura mais expostas à mudança climática, como tendem a ser os portos, as estradas, as urbanizações costeiras, etc.

Outros tipos de investimentos, que podem encontrar maiores oportunidades de financiamento na atualidade do que no passado, são os destinados aos sistemas de alerta preventivo e prognósticos do tempo. Estas medidas podem resultar menos custosas que compensar os danos por falta de previsão e podem ajudar a salvar vidas, domicílios e obras de infra-estrutura pública e privada que difíceis de repor depois.

O sentido da urgência

Poderia parecer que as nações em desenvolvimento se encontram imobilizadas, à espera dos resultados do debate internacional sobre a responsabilidade dos países industrializados e postergando suas opções de desenvolvimento, esperando obter recursos financeiros derivados do pagamento da “dívida ecológica”. Mas, como vimos, os recursos financeiros internacionais como o MDL, o Fundo de Adaptação e outros similares, são atualmente – e seguramente serão no futuro – insuficientes com relação às necessidades dos países latino-americanos.

Isto faz com que não haja razões poderosas para esperar por eles, mesmo que se mantenham as justas reivindicações. Em troca, se pode desde já aproveitar as oportunidades que o desenvolvimento dos novos mercados e produtos oferecem – somando-os aos benefícios econômicos, sociais e ambientais que estas mudanças propiciam – em prol da sociedade latino-americana.

Publicado originalmente em Envolverde.

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quarta-feira, 3 de junho de 2009

A história das coisas - vídeo imprescindível!

História das Coisas - Versão brasileira

Governo banca ou combate a destruição da Amazônia?

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Greenpeace expõe contradições do governo, conta Safatle

"Parece haver uma sincronicidade às avessas na política ambiental brasileira", diz a jornalista Amália Safatle ao falar das diferenças entre os resultados apresentados pelo governo na área e um estudo divulgado pelo Greenpeace. "O contraditório abriu o mês comemorativo do meio ambiente", diz.
Governo banca ou combate a destruição da Amazônia?

Antonio Cruz/Agência Brasil
A contradição do governo sobre o desmatamento da Amazônia
A contradição do governo sobre o desmatamento da Amazônia

por Amália Safatle
De São Paulo

Parece haver uma sincronicidade às avessas na política ambiental brasileira. No mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil "cada vez mais está dando lições ao mundo" em matéria de conservação, o Greenpeace divulgou ao público relatório pelo qual acusa o governo federal de financiar e lucrar com o desmatamento da Amazônia. O contraditório abriu o mês comemorativo do meio ambiente.

No programa semanal Café com o Presidente, Lula destacou ações de combate às queimadas e ao desmatamento, e citou "feitos" dos últimos seis anos, como a criação de 25 milhões de hectares de áreas de conservação na Amazônia e a homologação de 10 milhões de hectares de terras indígenas A Farra do Boi na Amazônia, mostrou que o governo financiou, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, frigoríficos na região. Entre os anos 2007 a 2008, teria concedido R$ 2,65 bilhões às empresas em troca de ações.

Três frigoríficos - Bertin, JBS e Marfrig - seriam responsáveis por metade das exportações brasileiras de carne. Não há como afirmar categoricamente que todo o desmatamento para expansão da criação de gado tenha sido ilegal (além dos 20% permitidos pelo Código Florestal), mas ao sobrepor o mapa das fazendas com imagens obtidas recentemente por satélite, mais de 100 propriedades receberam multas em 2006.

O relatório aponta também a responsabilidade de empresas que integram a cadeia produtiva da carne, e involuntariamente incentivam o desmatamento - como as companhias de distribuição Carrefour e Wal-Mart -, e empresas que usam o couro como matéria-prima - Adidas, Nike, Honda, BMW e Timberland. Para evitar o problema, as empresas deveriam buscar a certificação da cadeia produtiva, garantindo ao consumidor a procedência legal dos produtos.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, ainda não havia lido o relatório, mas negou as acusações, afirmando que o banco só apóia projetos comprometidos com o desenvolvimento.

Se verdadeiras, as acusações expõem a incoerência da política de desenvolvimento socioambiental, pois mostra uma direção contrária à meta estabelecida no Plano Nacional sobre Mudança de Clima de reduzir em 80% do índice de desmatamento na Amazônia até 2020 - o equivalente a 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono a menos na atmosfera. "Reduzimos em mais de 45% o desmatamento, coibindo a impunidade ambiental e tirando o crédito dos desmatadores", afirmou Lula.

Segundo o Greenpeace, o setor pecuário na Amazônia é responsável por quase 14% do desmatamento anual global (1,7 milhão de hectares são desmatados na Amazônia todos os anos e 12,5 milhões de hectares por ano são desmatados globalmente).

O desmatamento na Amazônia alça o Brasil à condição de 4º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.

O sumário executivo do relatório A Farra do Boi na Amazônia está disponível em: www.greenpeace.org.br/gado/farradoboinaamazonia.pdf. Confira no site da ONG o que você, como cidadão e consumidor, pode fazer: www.greenpeace.org/brasil/amazonia/gado/o-que-voc-pode-fazer

*Amália Safatle é jornalista e fundadora da Página 22, revista mensal sobre sustentabilidade, que tem como proposta interligar os fatos econômicos às questões sociais e ambientais.

Fonte: Terra Magazine

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A expansão da economia é incompatível com a capacidade de regeneração do planeta, entrevista com Paulo Durval Branco

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área desmatada para plantio de soja

Na visão de Paulo Durval Branco, o PIB, como uma medida de riqueza, está na contramão da busca por desenvolvimento sustentável

Com uma clara visão sobre os desafios que teremos pela frente em relação à sustentabilidade do planeta e o atual sistema econômico, o professor e consultor Paulo Branco vê que a principal limitação do cenário atual “é o fato de estarmos regidos pela lógica dominante da possibilidade de crescimento infinito”. Na entrevista que segue, concedida por telefone para a IHU On-Line, ele identifica que “toda a nossa economia, todo nosso modelo mental e, consequentemente, todas as nossas criações no plano social e econômico se baseiam em uma possibilidade que não existe, que é o crescimento reger todo o nosso caminhar. Temos um limite na medida em que a economia hoje é centrada na ideia de crescimento”.

Paulo percebe, na proposição da economia ecológica ou da ecoeconomia, “um caminho central para se discutir um modelo pós-crise”. E por quê? “Porque ela parte de premissas corretas”, responde ele. Para o professor, o que deveria definir os limites de atuação do subsistema econômico é a capacidade de suporte da biosfera no que se refere a prover recursos e absorver os dejetos. “É algo muito óbvio e claro. Difícil é imaginar porque essa visão não se incorporou efetivamente ao nosso modo tradicional de ‘gerir a casa’”. E conclui: “A premissa de crescimento precisa ser rompida. Ela não responde a uma civilização que habita um planeta que é um só e que possui uma capacidade de suporte”.

Sócio-diretor da Ekobé Consultoria em Sustentabilidade, Paulo Durval Branco é professor da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas), de São Paulo. Possui graduação e mestrado em Administração pela PUC-Rio.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Neste momento de crise global da economia capitalista, quais são as possibilidades e os limites de pensar uma economia que leve em conta a sustentabilidade da terra?

Paulo Durval Branco – Essa pergunta abre o debate de uma maneira interessante, porque já põe em foco aquela que, no meu ponto de vista, é a principal limitação. Na medida em que essa limitação seja superada, começamos a identificar eventuais possibilidades. Vejo que a principal limitação é o fato de estarmos regidos pela lógica dominante da possibilidade de crescimento infinito. Toda a nossa economia, todo nosso modelo mental e, consequentemente, todas as nossas criações no plano social e econômico se baseiam em uma possibilidade que não existe, que é a de o crescimento reger todo o nosso caminhar. Temos um limite na medida em que a economia hoje é centrada na ideia de crescimento. E essa ideia é contrária à noção de que existe uma capacidade de suporte do planeta. Portanto, temos nisso o grande limite, de pensar esta economia levando em conta a sustentabilidade da Terra. Para que isso possa ocorrer, o que seria correto, defensável, desejado, é que as metas, os desafios do desenvolvimento - e não do crescimento – fossem estabelecidas a partir da definição clara da capacidade de suporte de um dado ecossistema, ou seja, pensando no que esse ecossistema pode nos oferecer em termos de recursos naturais na falta de energia, e qual a sua capacidade de absorver os dejetos, resíduos, rejeitos, de um processo econômico. Esses limites definiriam as nossas metas e objetivos de produção, comercialização e consumo.

IHU On-Line - Que relação o senhor estabelece entre a velocidade da expansão da economia e a capacidade de regeneração dos recursos naturais? São compatíveis?

Paulo Durval Branco – Da maneira como hoje nosso modelo de produção e consumo está estabelecido e operando, essa velocidade é totalmente incompatível. Temos, hoje, indicadores muito claros, como é caso da pegada ecológica, apontando isso. Ela mostra que já ultrapassamos em cerca de 40% a capacidade deste planeta em nos prover recursos e absorver nossos resíduos em termos de processo de produção e consumo. Nitidamente, hoje, a velocidade de expansão da economia – e aqui estamos falando de uma economia centrada no crescimento, que considera recursos naturais como infinitos – é incompatível com a capacidade de regeneração. Para alguns ecossistemas, já falamos em adaptação e não mais na possibilidade de recuperação dos mesmos.

IHU On-Line - Quais os maiores problemas que envolvem a questão de que a economia clássica sempre ignorou que a Terra é finita?

Paulo Durval Branco – Aqui existe uma questão mais profunda, que é anterior às discussões sobre economia ou qualquer outra ciência criada nos tempos modernos. Essa questão nos remete a uma discussão que tem raízes na Filosofia, que nos remonta a Descartes, a Francis Bacon, na medida em que esses pensadores definiram nosso atual modelo mental, nossa forma de ver o mundo, que é uma forma fragmentada, reducionista. E essa fragmentação também nos leva, enquanto seres humanos, a nos percebermos como seres fragmentados. Não nos percebemos como um ser integral, no sentido de ter as várias dimensões interconectadas: dimensão mental, física, espiritual e emocional. Expressamos essa mesma fragmentação no distanciamento em relação a tudo o que está a nossa volta: aos outros e ao planeta. Na medida em que nos vemos fragmentados, não como parte da teia da vida, nos sentimos à vontade – e essa é uma consequência indesejada – de usar, explorar, utilizar, considerando que esses recursos são infinitos e estão aí a nosso dispor, como se não fizessem parte da mesma teia da vida a qual nós pertencemos. O fato de a economia ignorar a Terra, ou tê-la como recurso infinito, vem dessa fragmentação que sempre caracterizou nosso ser no mundo e a nossa relação com o mundo a nossa volta. O fato de a economia estar separada da ecologia é mais uma das expressões dessa fragmentação.

IHU On-Line - Quais as principais implicações para a economia da urgência dos problemas ambientais?

Paulo Durval Branco – Nós já estamos lidando com algumas implicações reais, concretas, nesse sentido. Por exemplo, as seguradoras estão muito preocupadas por conta dos sinistros causados por desequilíbrios ambientais; a própria questão das mudanças climáticas, o efeito estufa, afetando a agricultura, o ciclo de crescimento de plantas, portanto, alterado a safra. Temos outras implicações não tão visíveis, mas já muito sentidas em alguns setores, onde, por exemplo, as matérias-primas vão ficando cada vez mais escassas, portanto, mais caras. Isso torna a temática ambiental cada vez mais presente na agenda econômica. Infelizmente, para a maior parte dos agentes econômicos, essa entrada na agenda se dá pelos riscos, pelos problemas, pelas dificuldades, e não pelo lado mais prazeroso e inspirador, que é o lado da inovação, de olhar a sustentabilidade a partir da perspectiva de inovação das possibilidades e não de restrições e deveres. Isso seria algo muito mais interessante, que poucos atores, poucas organizações, estão tendo a capacidade de perceber dessa forma.

IHU On-Line - O que podemos entender pelo conceito de ecoeconomia ou de economia ecológica? Ele pode ser pensando como alternativa para o momento em que vivemos?

Paulo Durval Branco – Acredito que sim. Na verdade, hoje, vejo nessa proposição da economia ecológica ou da ecoeconomia um caminho central para se discutir um modelo pós-crise – e aí não estamos falando exclusivamente dessa atual crise, que começou com as questões do crédito imobiliário nos Estados Unidos; na verdade, estamos falando de uma crise muito mais ampla. Essa é apenas uma das expressões de uma crise do padrão civilizatório, que se expressa de várias maneiras. E por que a economia ecológica seria um caminho? Porque ela parte de premissas corretas. Uma delas é a impossibilidade do crescimento como um retorno exclusivo do processo econômico. Então, a ecoeconomia supõe o sistema econômico como parte de um sistema maior, que é a biosfera. A economia seria um subsistema, regido pelas leis de um sistema mais amplo, que seria a biosfera. Faz sentido pensarmos o que falei no início desta entrevista: o que deveria definir os limites de atuação do subsistema econômico? A capacidade de suporte desta biosfera no que se refere a prover recursos e absorver os dejetos. É algo muito óbvio e claro. Difícil é imaginar por que essa visão não se incorporou efetivamente ao nosso modo tradicional de “gerir a casa”.

IHU On-Line – No entanto, é ainda complicado imaginar essa proposta se efetivando na prática, porque, por mais que identificamos a sua urgência e a sua necessidade, a grande maioria, inclusive dos governos, ainda tem dificuldade para perceber isso…

Paulo Durval Branco – Sem dúvida. No entanto, algumas coisas apontam para a possibilidade. Um exemplo que eu quero trazer aqui é um estudo recente, que foi publicado por uma comissão do governo britânico, chamada Sustainable Development Commission, que assessora o governo britânico, o Gordon Brown, em questões ligadas ao desenvolvimento sustentável. Esse estudo é muito interessante, pois discute exatamente os limites do crescimento e as possibilidades de prosperidade sem crescimento. Esse é o caminho, mas é difícil. Para que ele se torne o senso comum, é preciso muitas coisas acontecerem. Mas, ao que parece, os indutores para essa mudança estão aí colocados. A sociedade contemporânea precisará ser hábil para fazer as mudanças necessárias. Implicações mais profundas da mudança da qual falamos têm a ver também com o comportamento individual. Isso exige certamente uma sociedade mais centrada no ser do que no ter.

IHU On-Line - Quais as contradições entre a sustentabilidade do planeta e o PIB? Quais as principais criticas feitas a ele nesse sentido?

Paulo Durval Branco – Hoje, o PIB, para muitas organizações e um número crescente de estudiosos, vem sendo bastante criticado do ponto de vista das suas limitações para o atual momento da nossa atual sociedade. A primeira delas está ligada ao fato de que o PIB não leva em conta as externalidades do processo produtivo. O PIB, como uma medida de riqueza, está na contramão de todas as nossas discussões e de nossa busca por desenvolvimento sustentável. Se pensarmos hoje na construção de uma hidrelétrica, as contas nacionais aumentarão em função das obras, dos gastos com materiais, da locação de mão-de-obra etc. No entanto, não irá ocorrer nenhuma subtração nas contas nacionais, no PIB, por conta de degradação ambiental causada, de eventual degradação das condições sociais da população próxima à construção dessa hidrelétrica, com fenômenos como exploração sexual de crianças e adolescentes, ou eventual trabalho infantil em cadeia produtiva. São coisas que sabemos que ocorrem, mas não são computadas. A ausência de externalidades nas contas é uma deficiência enorme. Podemos ter um país com um PIB elevado; entretanto, essa riqueza está sendo gerada a custo de enormes externalidades socioambientais.

Outra limitação é o fato do PIB não levar em conta capitais sociais relacionados, por exemplo, ao trabalho voluntário. Hoje, nós temos uma riqueza enorme do ponto de vista do capital social sendo gerado em vários países do mundo e isso não está refletido nesta riqueza. Por conta dessas limitações, outras alternativas estão sendo buscadas, como as discussões mais recentes da Felicidade Interna Bruta (FIB), na experiência do Butão. Essa recente Comissão Stiglitz, que foi iniciada por uma liderança do presidente da França, Nicolas Sarkozy, tem Joseph Stiglitz como líder desse grupo e que está desenvolvendo toda uma análise que não só realiza as críticas necessárias ao PIB como se propõe a apresentar alternativas no que se refere a novas medidas de riqueza.

O aprimoramento do PIB e a sua superação é uma discussão fundamental, porque, em função desta medida de riqueza ter se estabelecido como uma medida dominante, nós vivemos sob a ditadura do PIB. Governos nacionais estabelecem metas de crescimento, medidas pelo PIB, que possui todas essas deficiências que falamos; no plano da microeconomia, as empresas também perseguem medidas de progresso que estão pautadas na mesma lógica que orienta o PIB. Então, temos uma cadeia de um mau indicador sendo alimentada. Chegamos a uma cadeia de indicadores deficientes, que não medem adequadamente riqueza. E, por trás disso, temos um problema central: indicadores induzem comportamentos. Se não tivermos um bom indicador, certamente estaremos induzindo a um mau comportamento.

IHU On-Line - O senhor acredita que a economia, como é constituida hoje, teria condições de caminhar para ser cada vez mais parecida com os processos naturais?

Paulo Durval Branco – Vejo isso como uma impossibilidade, relacionada às premissas que falávamos inicialmente. A premissa de crescimento precisa ser rompida. Ela não responde a uma civilização que habita um planeta que é um só e que possui uma capacidade de suporte. Essa é uma impossibilidade.

IHU On-Line - O que faria parte de um novo modelo que desse respostas a questões como geração de empregos, desenvolvimento com qualidade e até mesmo uma desmaterialização do sistema?

Paulo Durval Branco – Vejo a proposta de Herman Daly, de economia do estado estacionário como uma alternativa e ela vai fazendo cada vez mais sentido. É um caminho, um modelo que responde a esses desafios. A questão da geração de empregos traz para o debate um outro tema, que é o tamanho da população. Nesse sentido, será muito pouco provável alcançar pleno emprego. Seja qual for o modelo que se estabeleça, o pleno emprego parece ser uma impossibilidade. No entanto, teremos empregos de melhor qualidade, ao que tudo indica. Teremos necessariamente, como você menciona na pergunta, a necessidade de desmaterializar a produção. Estamos falando não só de desmaterialização relativa, mas também a desmaterialização absoluta: realmente fazer menos com menos. Não basta mais fazer mais com menos. Isso implica em trocar quantidade por qualidade, em rever o estilo de vida, em propor menos horas de trabalho para que outros tenham mais possibilidade de emprego. Também implica em distribuição de renda, portanto, em uma macroeconomia mais favorável ao desenvolvimento sustentável. Esse seria o primeiro aspecto a ser pensado num novo modelo.

Existem mais duas dimensões-chave nessa questão. A segunda estaria ligada a criarmos nesse novo modelo oportunidades para uma vida que tenha significado efetivamente. Estamos falando, aqui, de pessoas vivendo em comunidades com um alto capital social, ou seja, comunidades, associações, onde a democracia efetivamente é exercida, as pessoas se reconheçam representadas e tenham possibilidade e estímulo à interação. A criação de oportunidades reais, para uma vida com significado, é uma outra dimensão necessária neste novo modelo. E um terceiro aspecto diz respeito a reconhecermos e respeitarmos os limites ecológicos. Não consigo pensar em um novo modelo que não esteja submetido, de fato, aos limites da capacidade de suporte do planeta. A partir disso é que devem ser montados os processo de produção, ou seja, a economia passa então a ser regida pelo ecossistema, pela biosfera.

IHU On-Line - Como seria uma proposta ideal de consumo ético, na sua opinião?

Paulo Durval Branco – Quando falamos de consumo ético, falamos de consumo consciente, que seja a expressão de cidadania, de valores pessoais, um consumo que leve em conta a cadeia produtiva e os impactos socioambientais da produção. Hoje, já temos exemplos interessantes nesse sentido, como o movimento do fair trade, que se baseia não só na qualidade socioambiental do produto ou serviço, mas também supõe a melhor distribuição de renda na cadeia produtiva. Ele busca romper a lógica de que atravessadores ficam com a maior parte da riqueza gerada nas transações comerciais, em detrimento do produtor. Essa seria uma proposta ideal de consumo ético.

Fonte: Ecodebate - publicado pelo IHU On-line - [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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Michael Moore pede mudança radical em indústria automotiva dos EUA

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Autoestrada na Califórnia. Foto do NYTimes
Autoestrada na Califórnia. Foto do NYTimes

“Deveria utilizar esse dinheiro para manter a atual força de trabalho e para que os que foram demitidos sejam empregados, para que possam construir os novos sistemas de transporte do século XXI”…

O polêmico diretor americano Michael Moore propôs hoje declarar em estado de guerra a indústria automotiva dos Estados Unidos para transformá-la completamente.

Em carta postada em seu site, o produtor de documentários como “Fahrenheit 11 de setembro” e “Tiros em Columbine” afirmou que “a única forma de salvar a GM (General Motors) é matar a GM”. Matéria da Agência EFE.

Na maior quebra na história dos Estados Unidos e para se proteger dos devedores, a empresa recorreu ao Capítulo 11 de falências em um tribunal de Nova York.

Em um plano de nove pontos, Moore pede ao presidente Barack Obama para informar ao país que se está “em guerra” e que “as unidades de produção de automóveis (devem se transformar) em instalações para a fabricação de veículos de transporte em massa e equipamentos de energia alternativa”.

Moore lembrou que, em 1942, os EUA suspenderam a fabricação de automóveis e utilizaram as linhas de montagem para construir os aviões, tanques e metralhadoras usados na Segunda Guerra Mundial.

“Essa conversão não demorou nada. Todos ajudaram. Os fascistas foram derrotados”, indicou.

“Agora estamos em uma guerra diferente, uma guerra que dirigimos contra o ecossistema e que foi liderada por nossos próprios líderes empresariais”, ressaltou.

Moore acrescentou que os produtos que saem de GM, Ford e Chrysler, as três grandes fabricantes de automóveis americanas, são agora as maiores armas de destruição em massa responsáveis pelo aquecimento global e pelo derretimento das calotas polares.

Segundo o diretor, a Casa Branca não deveria entregar US$ 30 bilhões à GM para que a empresa siga fabricando automóveis.

“Deveria utilizar esse dinheiro para manter a atual força de trabalho e para que os que foram demitidos sejam empregados, para que possam construir os novos sistemas de transporte do século XXI”, indicou.

Moore também propôs transformar algumas plantas da GM para a construção de moinhos de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa.

* Matéria da Agência EFE, no UOL Notícias.

Fonte: EcoDebate

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terça-feira, 2 de junho de 2009

Entrevista de Eric Hobsbawm - ‘Crise ambiental é desafio central que enfrentamos no século XXI'

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por Verena Glass

“Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta”. A afirmação é do historiador Eric Hobsbawm em entrevista exclusiva à jornalista Verena Glass e publicada na Revista Sem Terra, maio/junho 2009.


Eis a entrevista.

O planeta vive hoje uma crise que abalou as estruturas do capitalismo mundial, atinge indiscriminadamente atores em nada responsáveis pela sua eclosão, e que talvez seja um dos mais importantes “feitos” da moderna globalização. Na sua avaliação, quais foram os fatores e mecanismos que levaram a esta situação?

Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizada pela extraordinária revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações, esteve combinada com a hegemonia de políticas de Estado neoliberais, favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de lucros. No setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta, o que explica porque a crise do desenvolvimento capitalista ocorreu ali. Apesar do fato de que o capitalismo sempre — e por natureza — opera por meio de uma sucessão de expansões geradoras de crises, isto criou uma crise maior e potencialmente ameaçadora para o sistema, comparável à Grande Depressão que se seguiu a 1929, mesmo que seja cedo para avaliarmos todo o seu impacto. Um problema maior tem sido que a tendência de declínio das margens de lucro, típico do capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis, atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários “subprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos quarenta vezes maior do que a sua base econômica atual foi assim criada, e o destino disso era mesmo o colapso.

Como resposta à crise econômica, governos e instituições financeiras estão concentrados em salvar os sistemas bancário e financeiro, opção que tem sido considerada uma tentativa de cura do próprio vetor causador do mal. No que deve resultar este movimento?

Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o sistema bancário deixa de funcionar. Nesse sentido, as medidas nacionais para restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do Estado por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios para os bancos com uma regulação futura mais restrita. De toda forma, a depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração do crédito. São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a população, de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia global.

Antes de se agudizar o caos econômico, o mundo começou a sofrer uma sucessão de abalos sociais e ambientais, como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas, a crise energética, as crises humanitárias decorrentes das guerras, entre outros. Como você avalia estes fatores na perspectiva do paradigma civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno?

Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.

O capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma força hegemônica na agricultura com o crescimento do agronegócio. Muitos defendem que a Reforma Agrária não cabe mais na agenda mundial. Como vê este debate e a luta pela terra de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina?

A produção agrícola necessária para alimentar os seis bilhões de seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da população mundial, se compararmos com o que era no passado. Isso levou tanto a um declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da agricultura por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção. Da mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias, mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e pela exploração dos recursos naturais. A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menos Insustentável: crescimento econômico e da população colocam em risco o futuro da amizade na América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica. Em tempos de vacas gordas é muito mais fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de depressão, a terra, a propriedade familiar e a comunidade garantem a segurança social e a solidariedade que o capitalismo neoliberal de mercado tão claramente nega aos migrantes rurais desempregados.

Na virada do século, um novo movimento global de resistência social tomou corpo através do que ficou conhecido como altermundialismo. Surgiu o Fórum Social Mundial, e grandes manifestações contra a guerra e instituições multilaterais, como a OMC, o G8 e a ALCA, na América Latina, ganharam as ruas. Na sua avaliação, o que resultou destes movimentos? E hoje, como vê estas iniciativas?

O movimento global de resistência altermundialista merece o crédito de duas grandes conquistas: na política, ressuscitou a rejeição sistemática e a crítica ao capitalismo que os velhos partidos de esquerda deixaram atrofiar. Também foi pioneiro na criação de um modo de ação política global sem precedentes, que superou fronteiras nacionais nas manifestações de Seattle e nas que se seguiram. Grosso modo, logrou formular e mobilizar uma poderosa opinião pública que seriamente pôs em cheque a ordem mundial neoliberal, mesmo antes da implosão econômica. Seu programa propositivo, porém, tem sido menos efetivo, em função, talvez, do grande número de componentes ideologicamente e emocionalmente diversos dos movimentos, unificados apenas em aspirações muito generalistas ou ações pontuais em ocasiões específicas.

Principalmente na América Latina, os anos 2000 trouxeram uma série de mudanças políticas para a região com a eleição de governadores mais progressistas. A sociedade civil organizada ganhou espaço nos debates políticos, mas os avanços na garantia dos direitos sociais ainda esperam por uma maior concretização. Como analisa este fenômeno?

O fator mais positivo para a América Latina é a diminuição efetiva da influência política e ideológica — e, na América do Sul, também econômica — dos EUA. Um segundo fator muito importante é o surgimento de governos progressistas — novamente mais fortes na América do Sul — , inspirados pela grande tradição da igualdade, fraternidade e liberdade, que comprovadamente está mais viva aí do que em outras regiões do mundo neste momento. Estes novos regimes têm se beneficiado de um período de altos preços de seus bens de exportação. Quão profundamente serão afetados pela crise econômica, principalmente o Brasil e a Venezuela, ainda não está claro. Suas políticas têm logrado algumas melhorias sociais genuínas, mas até agora não reduziram significativamente as enormes desigualdades econômicas e sociais de seus países. Esta redução deve permanecer a maior prioridade de governos e movimentos progressistas.

Diante da crise civilizatória, do fracasso do capitalismo e da inoperância dos sistemas multilaterais, que não foram aptos a enfrentar as grandes questões mundiais, as esquerdas têm se debatido na busca de alternativas; mas nem consensos nem respostas parecem despontar no horizonte. Haveria, em sua opinião, a possibilidade real da construção de um novo socialismo, uma nova forma de lidar com o planeta e sua gente, capaz de enfrentar a hegemonia bélica, econômica e política do neoliberalismo?

Eu não acredito que exista uma oposição binária simples entre “um novo socialismo” e a “hegemonia do capitalismo”. Não existe apenas uma forma de capitalismo. A tentativa de aplicar um modelo único, o “fundamentalismo de mercado” global anglo-americano, é uma aberração histórica, que potencialmente colapsou agora e não pode ser reconstruída. Por outro lado, o mesmo ocorre com a tentativa de identificar o socialismo unicamente com a economia centralizada planejada pelo Estado dos períodos soviético e maoísta. Esta também já era (exceto talvez se nosso século for reviver os períodos temporários de guerra total do século 20). Depois da atual crise, o capitalismo não vai desaparecer. Vai se ajustar a uma nova era de economias que combinarão atividades econômicas públicas e privadas. Mas o novo tipo de sistemas mistos tem que ir além das várias formas de “capitalismo de bem estar” que dominou as economias desenvolvidas nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

Deve ser uma economia que priorize a justiça social, uma vida digna para todos e a realização do que Amaratya Sen chama de potencialidades inerentes aos seres humanos. Deve estar organizada para realizar o que está além das habilidades do mercado dos caçadores-de-lucro, principalmente para confrontar o grande desafio da humanidade neste século 21: a crise ambiental global. Se este novo sistema se comprometer com os dois objetivos, poderá ser aceitável para os socialistas, independente do nome que lhe dermos. O maior obstáculo no caminho não é a falta de clareza e concordância entre as esquerdas, mas o fato de que a crise econômica global coincide com uma situação internacional muito perigosa, instável e incerta, que provavelmente não estabelecerá uma nova estabilidade por algum tempo. Entrementes, não há consenso ou ações comuns entre os Estados, cujas políticas são dominadas por interesses nacionais possivelmente incompatíveis com os interesses globais.

Conceitos como solidariedade, cooperação, tolerância, justiça social, sustentabilidade ambiental, responsabilidade do consumidor, desenvolvimento sustentável, entre outros, têm encontrado eco, mesmo de forma ainda frágil, na opinião pública. Acredita que estes princípios poderão, no futuro, ganhar força e influenciar a ordem mundial? Vê algum caminho que possa aproximar a humanidade a uma coabitação harmoniosa?

Os conceitos listados estão mais para slogans do que para programas. Eles ou ainda precisam ser transformados em ações e agendas (como a redução de gases de efeito estufa, encorajada ou imposta pelos governos, por exemplo), ou são subprodutos de situações sociais mais complexas (como “tolerância”, que existe efetivamente apenas em sociedades que a aceitam ou que estão impedidas de manter a intolerância). Eu preferiria pensar na “cooperação” não apenas como um ideal generalista, mas como uma forma de conduzir as questões humanas, como as atividades econômicas e de bem estar social. Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 – mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos. Não acredito que a humanidade alcançará um estado de “coabitação harmoniosa” num futuro próximo. Mas mesmo se nossos ideais atualmente são apenas utopias, é essencial que homens e mulheres lutem por elas.

O senhor, que estudou com profundidade a história do mundo e as relações humanas nos últimos séculos, o que espera do futuro?

Se a crise ambiental global não for controlada, e o crescimento populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias. Mesmo se os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão enormes problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras. Também mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e industrializadas. Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes gigantes asiáticos. A atual crise econômica global vai terminar, mas tenho dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas décadas. Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria. Se tornou mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e Índia. Um novo equilíbrio internacional entre as potências — os EUA, China, a União Européia, Índia e Brasil — presumivelmente ocorrerá, o que poderá garantir um período de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para já. O que não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que emergirão depois da crise. Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de previsão do historiador.

Fonte: Instituto Humanitas

Para ler mais:

Ecoeconomia. Uma resposta à crise ambiental? Revista IHU On-Line, no. 295, 01-06-2009.